Pequeno Hans - conclusão


Tal formalização se desdobra na “formalização maquínica”, em que as máquinas perdem a fluidez das engrenagens, e o novo cede lugar à repetição decalqueada. Não que as intensidades fiquem fracas; elas continuam potentes, mas agindo sob enquadramentos.

(...) um mundo onde a mais extrema formalização jurídica dos enunciados (questões e respostas, objeções, pleito, considerandos, entrega de conclusões, veredicto) coexiste com amais intensa formalização maquínica, a maquinação dos estados de coisas e de corpos (máquina-barco, máquina-hotel, máquina-circo, máquina-castelo, máquina-processo). Uma única e mesma função-K, com seus agentes coletivos e suas paixões de corpos, desejo.[1]

Nesses termos, quebram-se as intensidades para impedir sua livre circulação, centra-se num eixo que passa a comandar a produção desejante, a transformação real do desejo de produção de produção passa a funcionar por leis estranhas à natureza das máquinas. Finalmente, é preciso ficar evidente que o desejo não é reprimido, mas reprime a si próprio, tomando por objeto uma perda, uma falta, uma castração do fálus em relação à mãe, em relação ao pai, em relação a si mesmo. Assim, o indivíduo perde a possibilidade de falar em seu próprio nome. Ele perde a alegria de criança e a capacidade de resistência criativa, pois está resignado a papai-mamãe.
O Zaratustra de Nietzsche e o índio Dom Juan de Castañeda, de forma quase idêntica, tiveram a percepção dessa derrota. Ao falarem dos perigos da experimentação, dizem: “Há três e até quatro perigos; primeiro o Medo, depois a Clareza, depois o poder e, enfim, o grande Desgosto, a vontade de fazer morrer e de morrer, Paixão de abolição.”[2] Não é pulsão de morte que quer a morte do indivíduo, é pulsão recalcitrante que, ao recalcitrar, impõe o estranho desejo de morrer. É que a repetição do mesmo torna a vida insuportável, numa micropolítica, o intolerável é essa vontade de abolição.



[1] DELEUZE, G. e PARNET, C., Dialogues, p. 86.  
[2] DELEUZE, G. e GUATTAR, F., Mille Plateaux, p. 277.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Sabiá

AS MÁQUINAS DE GUERRA CONTRA OS APARELHOS DE CAPTURA DO ESTADO

Máquina burocrática