Experimentação com drogas II


Em temporada no México, aguardando para participar de um ritual com Peiote, Antonin Artaud ouviu algo muito semelhante às ideias de Fontana, acerca de um índio: “O peiote, percorrendo todo o eu nervoso, ressuscita a memória dessas verdades soberanas e não faz, foi-me dito, perder mais nada à consciência humana, e ao contrário permite que ela recupere a percepção do Infinito”.[1]
Tanto no relato de Artaud como nas conclusões de Fontana, as percepções sensitivas de integração cósmica, ligadas ao infinito, tendem a ser interpretadas como um caminho para a construção de outro tipo de conhecimento. Com essas drogas em psicoterapia, havia um ganho na intensidade do material trabalhado, ou seja, as memórias e ideias dos pacientes eram investidas de afectos primários, quase instintivos, que rompiam as barreiras da racionalização.
Pesquisas realizadas em pacientes esquizofrênicos revelam estreita associação entre a percepção alucinógena e o que seria a percepção na loucura. Ou seja, as drogas induzem os indivíduos àquilo que Deleuze/Guattari classificam como esquizofrenia.
Esses experimentos afastam a loucura da perspectiva estritamente patológica com que se entendia a esquizofrenia, fazendo com que a noção de alucinação saísse do terreno da doença e ingressasse também nos termos da produção desejante, conforme O Anti-Édipo.
A questão que se impõe estaria nesse cruzamento: experimentos-drogas e produção maquínica do desejo. Uma das chaves do que foi uma pergunta insistente ao longo de Capitalismo e esquizofrenia – como captar a potência do esquizo sem se tornar um louco? Ou então na questão similar de William Burroughs para as drogas: como captar a potência das drogas sem se tornar um farrapo drogado? Não me parece haver em relação a isso.
Independentemente do solo teórico, tão diverso entre os pesquisadores de alucinógenos, havia se instalado na vida dos cientistas e dos artistas uma intensa vontade de criar novas visões sobre a produção de subjetividade. Com os alucinógenos, o tratamento era enriquecido, por introduzir no paciente um estado de alta sensibilidade e integridade corporal, com a percepção e o pensamento alterados no sentido da desindividuação e da exploração das virtudes inventivas.
Para Deleuze/Guattari, “a droga dá ao inconsciente a imanência”,[2] que, por si só, pode levar ao aniquilamento subjetivo do sujeito. De forma estrategicamente calculada, as experimentações prudentes demonstram como construir alternativas que permitam ao usuário de “plantas de poder” uma utilização segura e de efetiva transformação dos territórios existenciais.


[1] ARTAUD, A. Os Tarahumaras. Lisboa: Relógio D’Água, 1985, p. 13.
[2] DELUZE,G. e GUATTARI, F. Mille Plateaux, p. 348.

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