A potência II


Mesmo quando Bacon parece embrenhar-se na macropolítica, na subversão do quadro do majestoso papa Inocêncio X de Velásquez, é de uma micropolítica que ele está tratando. Não é o rosto do papa que se desfigura simplesmente. “Seu poder foi desterritorializado pela ausência do anel e do papel. É um papa sem título ou joia. É um papa encarnado, não mais um papa celestial ou metafísico”.[1] Os órgãos, quer sejam do organismo, quer sejam da organização, perdem a sua constâncica. “Toda uma vida não orgânica, pois o organismo não é a vida, ele a aprisiona. O corpo é inteiramente vivo e, entretanto, não é orgânico”.[2] Quando falamos de um corpo sem órgãos, calcados na noção de Deleuze/Guattari, é para nos opor a organização cartesiana do órgão como pensamento racional, que pressupõe a crença racional de ideias concisas que orientam o pensar com bom senso num caminho reto. Calcados nesse caminho, de princípio, meio e fim o bom senso inventou as finalidades superiores como o amor da família, da pátria e de Deus. Todo esse percurso, que inclui Espinosa, de certa maneira Nietzsche, um mito indígena que teoriza o começo, a pintura de Bacon e Artaud, perfazem uma noção que Deleuze/Guattari concluem como potência criativa de uma política singular. Política de forças que escorrem por entre as formas,portanto, uma potência. Para sintetizar o queremos dizer como potência política dos não filósofos nos apegamos a esse ser substancial, obscuro e impenetrável qual aparece na pintura desse grande artista, bem como, na literatura, no teatro e no cinema. Lado obscuro e impenetrável de um lado, e de outro, uma superfície de pura fluidez, o devir do acontecimento do sentido.  Sempre que estiverem presentes, essas duas faces do real, alí também há de estar uma potência política da ordem micro. Segue-se assim na literatura de Kafka, que vamos analisar a seguir.



[1]Jorge Vasconcellos In: VASCONCELLOS, J./CASTELO, Branco, G. Arte,  vida e política: ensaios sobre Foucault e Deleuze. Rio de Janeiro: Edições LCV/SR3/UERJ, 2010,  p. 99.
[2] DELEUZE, G. Francis Bacon: lógica da sensação. Tr. Aurélio G. Neto, Bruno L. Rezende, Ovídio de Abreu, Paulo G. de Albuquerque e Thiago S. Thenudo. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2007, p. 52.

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