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Mostrando postagens de março, 2013

Corpo sem órgãos V

O sentimento manifesto no fenômeno de sexualidade é atrasado em relação ao afecto que o constitui. Estamos diante de uma situação molecular que propicia as formações molares. As linhas de resistência política não alcançam esse limite micropolítico. A política de grupos trata apenas do combate aos aparelhos de repressão do que já existe no mundo das formas. Quanto a esse aspecto, lembra Foucault, “foi a vida, muito mais do que o direito, que se tornou objeto de lutas políticas, mesmo que estas se formulem através de afirmação de direito. O direito à vida, ao corpo, à saúde, à felicidade, à satisfação das necessidades”. [1]  Em planos de uma ontologia política, a tarefa é evitar afastar os devires sensíveis dos encontros, das máquinas desejantes-corpo sem órgãos. Essa relevância ética da política do corpo sem órgãos deve incluir a vontade de morrer como parte do sistema complexo que faz com que as máquinas retornem sempre a um elemento incansável que o repele insistentemente. Há s

Corpo sem órgãos IV

A esquizofrenia é a vitória do corpo sem órgãos sobre as máquinas desejantes, vitória de Thanatus sobre Eros , caminho natural de todo organismo vivo. Mas é preciso que os organismos encontrem e vivam a própria morte: o processo de produção das máquinas desejantes tem de chegar a seu fim. A parada do processo em grau zero de tensão, embora seja universalmente desejada, não deve ser a meta. Esquizofrênicos, até certo ponto; autômatos, até certo ponto. Até o ponto em que os processos não cessem de trabalhar, em que uma máquina se ligue a outra, em que se faça rizoma na relação alopoiética/autopoiética. Ou seja, trata-se de um sistema aberto para receber todos os afectos , fazer política com as multiplicidades que desfazem as formas de superfície. Os esquizofrênicos e os autômatos exilados perdem a aplicabilidade políticas desses devires-moleculares que chegam em multidões na superfície do corpo. “Os autômatos se imobilizam e deixam subir a massa não organizada que eles articulam. O

Corpo sem órgãos III

Nossa questão não é precisamente a respeito do corpo, mas do efeito e do que se processa no encontro entre os corpos. É sobre os encontros solitários que nos falam Deleuze/Guattari ( Mil Platôs , 1996), de uma solidão povoada: “Cada um de nós era vários, já era muita gente”. [1] Com a tese do corpo sem órgãos, “Artaud, o artesão do corpo sem órgãos”, [2] em programa radiofônico, iniciou o combate ao “juízo de Deus” e contra os órgãos. Deleuze/Guattari extraem dessa noção as partículas diabólicas e conecta às complexas máquinas da pragmática do desejo, o que vem a ser a micropolítica, a rizomática e outros nomes para a mesma coisa que é a esquizoanálise. [3] O conceito de corpo sem órgãos aparece pela primeira vez em Lógica do sentido , em dois casos clínicos: “perversidade de Alice” e “esquizofrenia de Artaud”. Ambos os casos mostram o quanto a organização de superfície é frágil. Apenas uma lisa membrana separa os dois lados, de uma organização de superfície, do lado de cá, e d

Corpo sem órgão II

Deleuze nos apavora com a notícia nietzschiana. O sistema de que necessitamos inclui, de um lado, uma organização de marcas duráveis que fazem as forças reagirem a elas, mas, por outro lado, há “um sistema externo do aparelho” que “recebe as excitações perceptíveis, mas não retém nada, não possui, pois, memória alguma”. [1] . Trata-se de um “inconsciente reativo” aquele da psicanálise definido pelas marcas, “pelas impressões duráveis”.  O que Deleuze, inspirado em Nietzsche, chama de “um sistema digestivo, vegetativo, ruminante, que exprime ‘a impossibilidade puramente passiva de se subtrair à impressão, uma vez esta recebida’”. [2] Algo muito parecido com a memória curta das crianças: elas esquecem rapidamente porque têm pressa de viver o próximo afeto que devém das linhas de seus traçados. E sem dúvida, mesmo nesta digestão sem-fim, as forças reativas executam uma tarefa que lhes é devolvida: fixar-se a impressão indelével, investir a marca. Mas quem é que não vê a insuficiê

Reversão ...III

Como a definição de homem partia do julgamento moral dos homens de pele branca, eles, valorando de forma narcísica e, até certo ponto, “inconscientemente, como mais próximas da perfeição divina as características que eram as suas, de modo que, quanto mais alguém fosse diferente ou distanciado deles, mais seria considerado distante da perfeição divina”. [1] A definição do homem racional deixou de lado a realidade esquizofrênica humana ( O Anti-Édipo ) ou, no dizer de Edgar Morin, o homem é sapiens , mas também é sapiens demens . Nós somos racionais porque sabemos adequar alguns meios a alguns fins. O homem é do gênero homo e tem como qualidade a capacidade de representar as coisas, adequá-las e ajustá-las em formas matemáticas. É o que Morin vai chamar de um “primeiro entrelaçamento do pensamento complexo”, ou seja, o homem é entrelaçado no fato de ser homo sapiens , e, ao mesmo tempo, sapiens demens . [2] Pensando em termos psicanalíticos, dizemos que o homem é capaz de

Reversão... II

Pulsão de vida, pulsão de morte, para nós são adjetivos que conformam a natureza da pesquisa clínica: só existem pulsões. Vamos abandonar esse percurso para entrar no que pertence à filosofia propriamente. Ou, quando estivermos falando em linguagem que comporta conceitos da psicanálise, é porque a filosofia de Deleuze/Guattari está extraindo dela uma potência filosófica. Despedimo-nos dos dualismos, pulsão de vida e pulsão de morte, natureza e sociedade, Isso e eu, energia livre e energia ligada, processo primário e processo secundário, pulsões sexuais e pulsões do eu, entre outros. Quando nos referirmos a esses pares, estaremos fazendo sempre a partir das críticas que se encontram em O Anti-Édipo e Mil Platôs . Deleuze/Guattari advertem para o fato de que a separação homem/natureza e sociedade/natureza serve de base ao pensamento que afirma o homem como o rei da natureza. Portanto, o homem natural só se tornará viável se controlar a natureza em geral e sua própria natureza, em det