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Mostrando postagens de dezembro, 2012

Segmentarização

"Somos animais segmentarizados". Existimos no tempo e no espaço segmentarizados. Tempo determinado e espaços definidos. Como já ficou dito, da casa à escola, da fábrica à caserna e aos outros espaços sociais, tudo demarcado por segmentarizações duras, inflexíveis. A loucura e a transgressão seriam o mesmo que romper com essas linhas duras e fugir para o espaço liso do artista da vida, sair com ele para as montanhas num encontro cósmico com estrelas. As demarcações já se encontram prontas quando nascemos. São como trilhos de trens por onde devemos seguir sem protesto. “Não saída da linha!”. Essa forma espacial de segmentaridade é mais visível do que as consequências que ficam na alma. É o que faz pensar que as coisas pareçam normais e não podem ser de outra maneira: “você é isso e não pode ser outra coisa”, uma palavra de ordem que põe os indivíduos no devido lugar. - “Mas por que não?”. Perguntam as crianças na escola. A escola decreta a morte dos enunciado

Sinceridade

Supõe-se que a etimologia da palavra sinceridade se remete ao ato do escultor que costuma usar cera para disfarçar pequenas fissuras em sua obra em pedra de mármore. Nesse caso, tratar-se-ia de uma obra com cera. O ato de sinceridade seria desse modo, um gesto sem-cera . Uma obra de arte sem cera é a obra perfeita. No belo livro de ficção que gerou o longo filme, Tempestade do século , Stephen king mostra o quão impossível seria a vida de uma cidade, caso os segredos dos moradores fossem revelados à luz do dia. Parece ser impossível conviver com pessoas incondicionalmente sinceras. Quando perguntamos a alguém se está tudo bem, de fato não queremos saber como estão de fato as coisas. É um hábito esperar a simples resposta:   -sim, está tudo bem.   Imaginem que ao entrar no elevador do condomínio, ao perguntar “como vai”, a síndica de seu prédio comece a contar dos problemas do condomínio? Se os vizinhos todos forem sinceros e responderem tudo que estão passando na vi

O amor no "Banquete de Platão"

... nesse momento entra em cena Pausânias, que cria uma questão sobre a existência de dois Éros, dois deuses do amor. Ele que ressaltar o fato de a reunião ter o propósito de honrar um deus. Os filósofos são meticulosos quando se trata de conhecimento, eles cuidam para não cometerem equivocos. Pausânias não pretende honrar o falso Éros, ou pelo menos, não quer estar inocente diante do fato de haver uma divindade mais divina do que outra. Diz ele   que Éros está diretamente ligado a Afrodite, e existem duas Afrodites. Logo, deve igualmente existir dois Éros. Existe a Afrodite mais velha, filha de Urano que não tem mãe, ela também pode se encontrada pelo nome de Urânia, apelidada de “a Celestial”. E existe a outra Afrodite, a mais jovem que é filha de uma das atrapalhadas de Zeus, o maior dos deuses. Zeus tinha muitas amantes, mas Afrodite era filha dele com Dione que também se chama Hera. De maneira que, havendo duas Afridites e estando Éros ligado   a elas, deve haver também do

Café...

Era manhã de um dia qualquer em 1964, fazia frio quando atravessei a praça envolta em névoa fria. Tinha terminado de ler o pequeno romance de Hermam Melville, Bartleby – o escriturário. Não me saia do   pensamento a fórmula de Bartleby , I prefer not to do ! Eu prefiro não fazer , foi naquele caso, o passo decisivo para a revolução de uma vida inteira de rotina miserável. A mudança de uma ‘vidinha de merda’ numa única fórmula: I prefer not to do ! Enquanto me dirigia para o único café decente da cidade, a fórmula de Bartleby não largava de meu pé. Pensava em milhares de vidas que poderiam mudar. Quantos relacionamentos tristes! Quantas vidas subjugadas! Quantos indivíduos infelizes, frustrados num trabalhinho medíocre! Quantos amores não vividos, quantas decisões não tomadas! Pensei no epitáfio do túmulo de milhares que numa pedra fria de mármore poderia está dizendo: “aqui jaz fulano (a) que quase conseguiu...”. Coisas que envolveria uma frase do tipo “fórmula de Ba

Sexualidade

Entramos no mundo acreditando na sexualidade distribuída pelo complexo familiar, uns nascem homem e outros (as) mulher. Algo muito próximo da linguagem dos computadores, isso ou aquilo. Ou você é isso ou é aquilo, se não for identificado por essa fórmula antiga será tomado por anômalo. Essa questão é edipiana, mas Édipo antecede à psicanálise. Freud apenas partiu do fato existente sem contrariar o estabelecido da lei. Muito mais do que familiar Édipo é autoridade politica, uma paranoia do poder. É preciso vigiar os nascimentos, olhar entre as pernas para ter a ilusão da certeza de que o individuo seja homem ou mulher. Pobres pais cristãos, testemunhas da fraude dos órgãos genitais. Eles vão chorando e sofrendo buscar tratamento para filhos (as) que não se reconhecem nisso ou naquilo. Na verdade, à revelia do sonho puritano da moral cristã somos isso “e”, “e”, “e”... “e”. Enfim, a sexualidade não é binária. Desde sempre o sexual é uma multiplicidade no masculino e no feminino

A cidade

Toda cidade deveria ter a sua arqueologia física e uma arqueologia do pensamento. Seria necessário mais do que fazer a história da cidade. Deveria existir também uma etnografia, uma física das intensidades que subjaz ali. Há uma ilusão da razão iluminista que persiste em fazer acreditar que as cidades são apenas o que elas demonstram com suas praças, seus edifícios e seus moradores vivos. Há um imenso passado sempre vivo no presente das cidades. Um mundo intangível que jamais poderá ser percebido por uma mente racional. São muitas cidades sobrepostas umas às outras. Olhem a igreja da cidade! A matriz e as outras dos bairros. Nunca se pensa na política de urbanização que definiu o lugar da igreja. Elas se encontram sempre no centro e nos lugares mais altos. Isso é grego! Isso é hebreu! Os deuses sempre habitam nos montes mais elevados. As cidades dos séculos (XVII – XIX) eram definidas a partir da igreja. O pensamento da época, centrado na crença religiosa começava a organiz

Paradoxo

O paradoxo reside na realidade. A leveza do mar que desagua na areia, mas que arrasta vidas ferozmente. Após um tsunami o mar se assemelha a uma criança inocente brincando de rolar conchinhas na areia. A vida é inocente e cruel ao mesmo tempo. A suavidade do flanar das garças contra o peso dos ventos que pode arrancar grandes estruturas. A fragilidade das pequeninas vidas na areia da praia contra as ondas que as trazem e as levam continuamente. O sol que queima e que também cura. A água salgada impossível de ser bebida, mas povoada de miríades de vidas que nela se saciam. A imensidão dos oceanos como a soma de infinitas gotas d’água. O macro no micro e o seu contrário numa unidade inseparável. O movimento das águas, dos rios ou dos mares, dos mesmos rios, dos mesmos mares, nunca são os mesmos rios e mares que se movimentam. O homem que caminha no amanhecer sobre as marolas espumantes das ondas que morrem na areia, nunca é o mesmo homem. O amor, é mortal e imortal, quem di

Esperança

Diz a mitologia grega que, quando a caixa de pandora foi aberta, saíram de dentro dela todos os males que afligem a humanidade, as doenças com suas dores e a morte. Tudo o que apavora o homem foi solto de uma só vez. Esse mito é muito semelhante ao mito bíblico do Éden. Tudo tem seu inicio num ato de desobediência. A caixa de pandora não podia ser aberta, assim com o fruto da árvore da ciência do bem e do mal, não deveria ser experimentado. Nos dois casos, foi justamente o que aconteceu. A caixa de pandora foi aberta e Adão e Eva foram seduzidos pela serpente.   Ninguém deveria fundar credos a partir dessas estórias. Elas estão aí para explicar “os começos”. Não deveriam ser tomadas literalmente como verdades. Todas as culturas têm as suas. Não significa que as coisas tenham sido assim. Como ninguém pôde estar lá quando aconteceu, inventa-se uma estória para dar sentido às coisas que sempre estiveram conosco. A diferença entre esses mitos é o que se faz com eles.   No cas

Fim do mundo

No ressentimento existe uma vontade de “fim de mundo”. Só os que nutrem ódio ao mundo, nojo do mundo, ressentidos com a vida no mundo é que desejam tanto o “fim do mundo”. É a vontade de “fim do mundo”. Esses adoradores de fim do mundo não cansam de teorizar sobre esse “fim”, alimentam essa vontade de consumação do mundo. Estocam comida, se escondem nos subsolos, pregam com vontade essa vontade de nada de vontade. Existem esses que marcam datas frustradas e os outros que deixam o fim em aberto, um fim sem fim onde colocam o mundo sob um juízo final eterno. Se eles gastassem essa energia em mudar o mundo que têm. Se se apaixonassem mais pelo mundo, o único que temos, se se encantassem com a luz do dia, com os ventos e os rios, essa vontade de fim se transformaria em recomeços de um mesmo mundo que pode ser novo. E por fim, não sabem eles, esses adoradores da catástrofe, que o mundo sempre acaba? O mundo está em devir-mundo, por isso, a cada instante é um mundo que se acaba sem

A grama

Na filosofia a figura da grama se opõe à imagem clássica da árvore. A árvore tem raízes profundas que penetram nossas cabeças. Temos árvores plantadas na cabeça. São os fundamentos que determinam por onde se deve começar, Deus como princípio de tudo, por exemplo. Uma imagem triste que determina os começos. O fundamento revela mais o autoritarismo das regras e menos a liberdade de pensar. É a imagem do poder. Nesse sentido, as escolas são arborescentes. O saber das escolas passa por determinados fundamentos obrigatórios. A criatividade dos alunos põe em risco os fundamentos fixos das raízes do saber. É a morte da criatividade. A imagem da grama remete ao movimento do devir, sem passado e sem futuro. Na grama não há ponto de partida ou de chegada. É a conjunção “e” que liga os ramos da grama.   Não se trata de história com seus pontos de partida. Na grama tudo é geografia. São linhas que se cruzam em todas as direções. Tudo leva a qualquer parte. A grama é a figura

Vida...

As formas de vida que subsistem as caçadas seguem a lógica do rizoma, andam em matilhas, usam táticas de guerrilhas, se multiplicam velozmente e ocupam espaços-entre, lugar de velocidade infinita. Os vírus e as bactérias são exemplos disso em nosso cotidiano. A lógica do rizoma é uma estratégia de guerra que funciona por alianças de matilhas, bifurcações sem fim, camuflagens, ataques surpresas, conexões com o fora heterogêneo - permitem um ponto se ligar a qualquer outro -, produção de multiplicidades intensivas que abrem espaços de possibilidades imprevisíveis e, por fim, criam rupturas que se separam das estruturas das formas previsíveis.

Potência do falso

Não se assustem com a afirmação do “verdadeiro como condição necessária ao falso”. O tema é de inspiração platônica, no método da divisão. Se há verdadeiro, as condições necessárias ao falso estarão nele subsumidas. Defino o falso como uma cópia do verdadeiro, podendo ser uma boa cópia ou não. Diria que a boa cópia é a que funciona praticamente. E a má cópia corresponderia àquela que, embora dotada de similitude, não funciona na prática. Tomemos como exemplo, uma chave de porta. Existe a original, a primeira chave, e existe a segunda que é cópia. Se ela, mesmo sendo a “falsa chave”, abrir a porta, é uma boa falsificação da chave, um falso que funciona praticamente. Nesse sentido que o verdadeiro é potência do falso necessariamente. A minha tese diz que só há o falso em relação ao verdadeiro. Nunca haverá uma simulação sem o objeto simulado. Nunca haverá o falso sem o falseado. Muito menos, haverá uma cópia sem o copiado. Aqui já se pode entender a afirmação de que o verda

Franz Kafka

... O que ele viu? O que ele descreveu? No Castelo ?   No Processo ?     Em Carta ao pai ? Ou em Metamorfose ? - Ele viu a burocracia da máquina estatal e a descreveu com deboche. Ele viu as injustiças da justiça. As intermináveis entradas e saídas, as infinitas portas do judiciário que se fecham numa concha escura. Um labirinto trancafiado em axiomas judiciais onde só os magistrados têm a interpretação. Uma fantástica máquina abstrata! As portas do judiciário têm ligações com interioridades muito secretas, com as repartições públicas, com a igreja ou com segredos sujos impossíveis de serem desvendados. Em O Castelo , assim como no Processo , nunca se chega ou se é demasiadamente frágil quando se chega. É o método do poder: enfraquecer e entristecer para depois dominar. Kafka faz um deboche dessas máquinas burocráticas para dizer que tudo isso é risível, esse é o seu método. Em Carta ao pai, é a autoridade em questão. Do micro território familiar ao macro territór