Postagens

Mostrando postagens de abril, 2013

A máquina abstrata de combate nômade

O combate começa pela criação de uma máquina abstrata. As máquinas são abstratas porque ignoram as formas e as substâncias, ou seja, são matérias não formadas e funções não formais. Para Deleuze/Guattari, elas traçam pontas que abrem o agenciamento territorial para outra coisa, para agenciamentos de outro tipo, para o molecular, o cósmico, e constituem devires. [1] Os próprios estratos que formam o juízo são animados e definidos por linhas de desterritorialização, são perpassados por linhas de variação que se elaboram no plano de consistência. “Mesmo o negativo produz movimentos infinitos: cair no erro, bem como evitar o falso, deixar-se dominar pelas paixões, bem como superá-las”, [2] tantos movimentos já podem constituir-se na paranoia que, em vão, luta para conter as linhas de fuga que definem a desterritorialização. Ela opera o movimento por meio do qual abandonamos o território. Essas máquinas (abstratas) se definem justamente por dois movimentos que operam no territó

MÁQUINA DE GUERRA DEVIR-MINORITÁRIO: A FILOSOFIA DOS NÃO FILÓSOFOS

Minorar e devir-minoritário são exercícios de afrontamento, pois incorrem em atos de criação que produzem anomalias nos estratos que configuram a ordem social. O devir-minoritário de um povo não é reprodução de regras, mas a criação de um novo que se opõe às formas instituídas. Podemos falar que, da operação (n – 1), de onde se subtrai um devir-minoritário, subtrai-se um (1) da multiplicidade. Para Guattari, [1] o devir-minoritário pode estar presente em “todas as engrenagens da sociedade”, pois “a problemática que eles (grupos de minorias) singularizam em seu campo não é do domínio do particular. Ou, menos ainda, do patológico (no caso dos loucos e de outros grupos), e sim do domínio da construção de singularidades, que se conecta e entrelaça com problemáticas que se encontram em outros campos, como o do trabalho, o da arte, o da filosofia e até mesmo o de minorias religiosos no seio das grandes religiões de Estado. É o que Deleuze/Guattari chamam de “dimensão molecular do in

A potência das Linhas

No platô 9. 1933 - Micropolítica e Segmentaridade, no platô 14. 1440 – O liso e o Estriado e no tratamento do Rizoma na Conclusão de Regras concretas e máquinas abstratas , os autores descrevem o complexo de linhas do tipo rizomático e arborescente: não são apenas os estratos, mas também os agenciamentos são complexos de linhas . Os estratos seguem complexos de segmentaridade dura ou arborescente que funciona como linha pivotante. Fixa-se um primeiro estado, ou uma primeira espécia de linha por onde tudo deve passar. A psicanálise, por exemplo, quando toma a questão do homem dos lobos pelo princípio da raiz da interpretação. Tal subsunção faz que se perca de vista a matilha e natureza dos devires que se cruzam nela. Impossibilidade total de que o paciente fale em seu próprio nome. Uma multiplicidade subordinada ao ponto: a diagonal subordinada à horizontal e à vertical. Os contornos da linha têm que fazer parte de uma figura central cujo espaço que se traça é de estriagem .

A potência do devir II

O devir não é história, mas com ele abre-se a possibilidade de criação de um novo sujeitos da Histórica. A construção de linhas de fuga ao poder da máquina capitalista de produção de subjetividade, enxergando – nas rupturas abertas pelos processos de singularização – uma recusa que visa construir novos modos de sensibilidade e criatividade, produtores de uma subjetividade singular. Tais processos de singularização, ao desenharem novas cartografias do desejo, irredutíveis ao controle centralizado, criam condições de possibilidade para a emergência de revoluções moleculares, constituindo micropolíticas. “Toda problemática micropolítica consistiria, exatamente, em tentar agenciar os processos de singularidade no próprio nível de onde eles emergem” . [1] Os processos de singularização abrem rupturas na individualidade serializada produzida pela cultura, nesta subjetividade normalizada que é a de um sujeito-objeto da administração e da organização capitalistas.  Já o devir liga-se à pos

A potência política do devir

            Devir, no senso comum, significa “transformar-se em”. Em Deleuze/Guattari, o sentido é complexo e mais abrangente. Por exemplo, o “devir-animal” do homem não significa que este se transforme em animal, mas um processo que se dá pela mistura dos corpos, por simbiose. É um termo que remete à economia do desejo. A noção conceitual do desejo não se separa do termo fluxo, o desejo prolifera por fluxos que procedem por afetos e devires. Tudo pode ser investido por fluxos de desejo. É o investimento do desejo que põe, pessoas identificadas ou imagens em processo de devir. Assim um individuo, etiquetado antropologicamente como masculino, pode ser atravessado por devires múltiplos e, aparentemente  contraditórios. Um devir feminino pode coexistir com um devir criança, um devir animal, um devir imperceptível. Uma língua dominante (maior) pode ser localmente capturada num devir minoritário. Ela será qualificada de "devir menor". É o que ressaltam Deleuze/Guattari em

O combate IV

A maior dificuldade de combater o juízo se encontra em dois estratos: o senso comum e o bom-senso. Quando eles concluem o papel de fazer, como se tudo fosse normal, passa a ser incômodo pensar em desfazer o juízo. A partir de então, renunciar ao juízo dá a impressão de nos privarmos de qualquer outro meio de sobrevivência, meios de “estabelecer diferenças entre existentes, entre modos de existência, como se a partir daí tudo se equivalesse”. [1] Não é antes o juízo que estabelece critérios preexistentes de valores maiores que nivelam a vida por baixo? O juízo é uma teologia cujos “valores superiores” comportam sua metafísica. São valores desde o começo da tradição filosófica, valores infinitos. São tão infinitos que não é possível compreendê-los, nem alcançá-los com as faculdades da mente; tudo tem de passar para o lado da fé religiosa, ou melhor, de um sono profundo vigiado por divinos sonhos. Tal maneira de existir “não consegue apreender o que há de novo num existente, nem s

O combate III

Constantino I se tornou cristão para ter a potência do cristianismo a seu favor. Paulo ainda sonha com o combate contra as forças diabólicas, assim como o Apocalipse é um confronto entre o bem e o mal travado no cosmos. Mas, em Constantino, tem início uma guerra santa que será levada a seu ponto máximo nas Cruzadas. “Mesmo sob sua forma mais suave, a de Buda ou de Cristo, enquanto pessoa (independentemente do que faz São Paulo dessa figura)”, [1] até mesmo São Paulo luta contra “o espinho na carne”, [2] o que para ele é o “bom combate”, pois tem mais de renúncia ao combate. É “um nada de vontade que nos é proposto, uma divinização do sonho, um culto à morte (...)”. [3] Para pôr fim ao juízo de Deus, não se tratará de um combate contra forças espirituais, nem de uma guerra. Nos dois casos, se faz presente uma vontade de se apoderar da potência para ter poder, poder de julgar e poder de governar. A santa cidade descia do céu como uma noiva adornada para seu esposo, diz João no Apo

O combate II

O juízo se constrói sobre os sonhos que não submetem a realidade ao conhecimento. Sonhos que não geram combate nem enfrentamento com a realidade; são sonhos vazios. Daí a primeira questão de enfrentamento do juízo consistir em saber se estamos dormindo, de saber se estamos sonhando. Assim como o sonho das rodas de Ezequiel, [1] os sonhos infindáveis de João de Patmos no Apocalipse, sonhos de uma nova terra, onde nem a morte, nem a dor ou a lembrança de coisa alguma do passado subsistirá: “(...) é o sonho que encerra a vida nessas formas em nome das quais julgamos. O sonho ergue os muros, nutri-se da morte e suscita as sombras de todas as coisas do mundo, sombras de nós mesmos.” [2]             Para combater o juízo, é preciso ter insônia e sonhar. Como Kafka, sonhar acordado, atravessar noites de insônia, porém permanecer sonhando. O sonho tem de ser um combate lúcido, e o mesmo é válido para a embriaguez. Repudia-se o sono do juízo para entrar em estados de embriaguez, de sonho

O combate ao sistema de "juízo de Deus".

Deleuze diz que o “juízo não apareceu sob um solo que, mesmo muito diferente, tenha favorecido seu florescimento; foi preciso haver ruptura, bifurcação”. [1] Como vimos, no começo o homem deve aos homens; a dívida contraída com os semelhantes é paga com a promessa sem mediação, dívida finita. Depois, a dívida é para com Deus ou para com os deuses. É preciso haver um equívoco no pensamento para haver uma ruptura. Na passagem do sistema selvagem para o sistema despótico é que se encontra “o equívoco”. A doutrina do juízo de Deus “derruba o sistema dos afectos ”. O homem deixa de acreditar em sua força para acreditar na força que vem de Deus. Nesse sentido, o Antigo Testamento de Moisés preparou o caminho para a Nova Aliança com São Paulo e João de Patmos. Coube a Nietzsche e Lawrence denunciar o sistema de valores superiores, “essa pretensão de ‘julgar’ a vida em nome de valores superiores (...). O juízo irrompe no mundo na forma de juízo equivocado que chega até ao delírio, à

As máquinas de guerra III

Pelo que foi dito, torna-se necessário construir uma máquina de guerra que não tenha como fim a guerra, pois nós é que somos os lugares das batalhas a serem travadas no campo de imanência. Campo de imanência com o mesmo sentido de vida pura e corpo sem órgãos. Esse campo, onde circulam, “se organizam” ou se dispõem as intensidades, forma um campo transcendental que Deleuze denominará sucessivamente spatium ( Diferença e repetição ), “superfície metafísica” ( Lógica do sentido ), “plano de consistência” ou “corpo sem órgãos” ( Anti-Édipo ), ou ainda, “plano de imanência” ou planómeno ( Mil Platôs ). [1] “É preciso, então, encontrar o agenciamento complexo capaz de efetuar esse diagrama, operando a conjunção das linhas e das pontas de desterritorialização.” [2] Os agenciamentos do desejo, assim como os dispositivos de Foucault, nada têm a ver com ideologia ou repressão. Isso porque o desejo, enquanto força da natureza, é da ordem molecular (só um desejo pode reprimir o desejo). Há