A leitura III


Defendemos que esse limite imposto na tão almejada separção sujeito de um lado e objeto de outro, é justamente o limite do Real impossível. Lugar do instinto de morte, precisamente, como resultado dessa lacuna ou furo na ordem do ser. Eis todo avanço da leitura lacaniana de Freud. A lacuna na ordem do Ser aponta para a autonomia radical do sujeito, não existe nada que o totalize. A cada vez que o sujeito nasce e tenta se por em pé, algo o ameaça constantemente, sabotando a sua pretensa autonomia. Toda organização simbólica da subjetividade é constantemente ameaçada pelo excesso que não se reduz ao simbólico. Tranborda e confunde as certezas do Eu pensante ou da Razão consciente. Nesse ponto que a categoria “morte” não significa uma simples anulação, mas se refere também, a dimensão in-mortal da luta da subjetividade que persiste muito além do biológico. Porque a vida só é possível continuar com um excesso de vida que põe em devir tudo que é vivo. O morto é o que já é pronto e acacado, por isso, as formas entram em devir para dar passagem ao que virá. O sujeito é sempre o que ainda não está. Acaba de chegar despedindo-se. Morte entrópica que define o sujeito como excesso que engolfa a coerência da subjetividade cartesiana. O imaginário e o simbólico são Reais, mas à serviço do Real Real. Para Zizek, nos termos de Lacan, “o sujeito é um vazio constitutivo básico que impulsiona a subjetivação, mas pode, em última instância, ser preenchido por ela”.[1]. O excesso de vida que atua como pulsão de morte, irrompe nos espaços em que a linguagem não pode obturar. Mas é também na linguagem que o excesso se instala para se inventar línguas não existentes ainda. Não é só a língua que balança e o sujeito que oscila, é o mundo criado que foge constantantemente.



[1] ZIZEK, S. Arriscar o impossível: conversas com Zizek. Tr. Vera Ribeiro. São Paulo: Martins Fontes, 2006, p. 11.

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