“O Boteco do Maneco” – pausa para respirar (Corrigido).
Sábado
de outono, muito calor nas ruas do Grajaú – RJ, muita gente fazendo compras,
indo à feira de rua. Uma realidade típica desses bairros residenciais - Tijuca,
Vila Isabel, Glória, Grajaú e outros - sair às ruas andando a pé, parando nos bares que
espalham cadeiras de plásticos nas calçadas.
Bares por todos os lados – botecos de Manecos, como diria Zeca Pagodinho. Em meio a muitos deles, passando na esquina de uma avenida com uma pequena rua suja, escolhi um desses botecos.
Como um gato de rua, sarnento e vira-latas, senti um irresistível cheiro de peixe frito que vinha do Boteco do Maneco, bem na esquina barulhenta e empoeirada avenida.
Bares por todos os lados – botecos de Manecos, como diria Zeca Pagodinho. Em meio a muitos deles, passando na esquina de uma avenida com uma pequena rua suja, escolhi um desses botecos.
Como um gato de rua, sarnento e vira-latas, senti um irresistível cheiro de peixe frito que vinha do Boteco do Maneco, bem na esquina barulhenta e empoeirada avenida.
Tudo
muito bem combinado, o calor do outono, um bar de esquina entre o transito
louco de um cruzamento barulhento. Em meio à sombra de poeira escura – o boteco.
Tem dias que, depois ter lido um Kant, bate uma vontade irresistível de ir a um
boteco desses para ouvir as pessoas e entrar no meio da confusão. Esse era um
dia.
Entrei
no tal boteco, também conhecido como “pé inchado”, “pé sujo”, etc. Fui ao
balcão de pouca luminosidade de onde podia enxergar a cozinha com cheiro de
peixe frito. Pedi o meu prato feito (pf), alguns chamam de "pronto e fedorento" -
arroz, feijão, purê de batatas e o principal – Sardinhas fritas. Veio logo! Uma
delícia! Uma iguaria do bairro. Algo de dar água na boca de qualquer cozinheiro
francês.
Eu conhecia o do dono do boteco, que sempre está presente nos
arredores do bairro. Lá estava ele, num ajuntado de três mesas cheias de
verduras em sacolas de quitanda. Sentado com um dos pés apoiado numa das
cadeiras – o tornozelo enfaixado como se inchado - uma faca numa das mãos cortava as verduras ainda para outro cardápio. Ele, muito gordo, arrastava o
peso de lá pra cá dando broncas severas no funcionário que, suando de calor,
carregava os chamados pfs entre os dedos. Quando se acomodava em sua imensa mesa
germinada entre três, dividia-se entre descascar e cortar legumes; receber dinheiro
e dar trocos aos clientes. Ar severo, barrigudo, barba por fazer, cabelos
caindo na face suada – é o dono do boteco.
Um
cliente que partilhava a minha mesa – havia poucas mesas, estreitas, no
ambiente apertado – pediu educadamente para que ligassem o ventilador – lá de
sua extensa mesa, o gordo homem, retrucou com ar severo:
-
Não estou com calor! Está correndo um vento fresco aqui.
No
alto, sobre nossas cabeças, uma televisão antiga reprisava um Rambo. Não sei ao
certo se I, II, III ou IV, não importa, são iguais. Trata-se do ressentimento
americano por fracassar nas guerras que fez na Ásia. Se um exército não venceu
a guerra - ainda que usasse agentes químicos - pelo menos no delírio americano, um único
homem vence todas as guerras.
No
boteco, alguns ainda exclamavam já alcoolizados:
- “esse cara é foda, devia ser convocado para o BOPE!”
- “esse cara é foda, devia ser convocado para o BOPE!”
A
conversa era de todo tipo. Não havia preocupação com coerência alguma. Todos
conversavam ao mesmo tempo. A postura do dono do boteco era vista como normal:
dinheiro, legumes, pé inchado, poeira, barulho dos carros que passavam e o som
de peixes sendo fritos na cozinha. Uma delícia!
Eu
estava lá, suando também, comendo meu peixe frito sem me preocupar com nada. O
feijão estava bem temperado com cheiro-verde e muito alho. O arroz, fresquinho
e quente, meio grudado uns aos outros grãos - daqueles que os meninos usam para fazerem pipas - era indispensável na combinação com sardinhas fritas. O que importava, era um sábado quente
de outono nas ruas do bairro bem próximo ao reduto de Noel – A Vila Isabel.
Um privilégio sem igual, tão singular como tomar um delicioso café no Le Café de L’homme com a melhor vista da Torre Eiffel ao fundo - cada experiência de seu modo, é claro.
Um privilégio sem igual, tão singular como tomar um delicioso café no Le Café de L’homme com a melhor vista da Torre Eiffel ao fundo - cada experiência de seu modo, é claro.
Terminei
meu almoço “suando em bicas”, mas feliz por ter realizado um desejo que sempre
retorna. Um afeto de infância, que vivia sempre, na roça onde morávamos. Comia
peixe frito em casa, mas desejava muito conhecer os bares onde se comia
apertados em cubículos mal iluminados. Adorava o cheiro de frituras desses
ambientes, ovos fritos, carne assada, frangos e os peixes fritos: traíras, acarás,
bagres, robalos, pescadas e sardinhas.
É
fascinante poder transitar no mundo das coisas e dos acontecimentos. Não
percamos essas oportunidades, sejam em Paris, Londres, Amsterdã, Nova York ou
no Grajaú.
Saí
do boteco com uma boa sensação de liberdade. O homem gordo até sorriu dizendo:
-
“desculpe-me por qualquer coisa, volte sempre”.
Estou
certo que voltarei.
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