... do Eu V


As sínteses do inconsciente de Deleuze/Guattari (1972) são precedidas das três sínteses do tempo (Diferença e repetição, 1988): a linha, o círculo e a espiral. Para Deleuze, os fenômenos têm por trás um efeito de diferença intensiva. Tudo na natureza resulta de um processo de individuação: o homem, as plantas e os animais são resultantes da individuação entre forças do Ser pré-individual e intensivo (Virtual) que se atualiza em formas acabadas, indivíduos e coisas.
Nesse sentido, haverá diferença de ordens de acabamento, de forma atualizada em coisas e seres. Mas, como um Ser Unívoco, entre o inorgânico, o biológico (orgânico) e o psíquico, haverá uma diferença absoluta nas sínteses de individuação, diferença de ordem, mas não de natureza.
Como entende Gualandi, “estas diferentes ordens são o efeito de suspensões e de atrasos nos processos de individuação do Ser-Ideia”.[1] O momento da criação é o momento das individuações em que, de um lado, só existem intensidades puras, vibrações e devires, tendo ao meio a síntese do tempo que faz saltar para dentro do mundo o indivíduo. Nesse sentido, há uma necessidade de forças interiores agindo com as forças exteriores para se compor em criação contínua.
Há apenas um princípio para todas as coisas: “o Uno funda o múltiplo”. E a natureza infinita é duplamente infinita, em seus produtos e em seus componentes elementares, que não cessam de interagir em sínteses, seja na matéria preformada, seja nos organismos. Daí as formas terem um “falso semblante”, “a árvore verdeja”, escoando sempre da suspensão definitiva do ser verde.
Cada suspensão provoca uma reabertura ao Ser pré-individual, que, não só repete uma nova criação, mas também atualiza a criação do já formado. Como diz Deleuze em Diálogos:

Também há coalescência e cisão, ou, antes, oscilação, troca perpétua entre o objeto atual e sua imagem virtual; a imagem virtual torna-se, continuamente, atual, como em um espelho que se apodera do personagem, tragando-o, e deixa para ele, por sua vez, apenas uma virtualidade (...).[2]

Cada efeito de um continuum de ondas virtual corresponde a uma suspensão e a atrasos nos processos de individuação, cada suspensão correspondendo a uma reabertura das matérias preformadas; cada atraso, a um prolongamento no processo de individuação por interiorização da diferença.
Nesse processo criativo (natureza-naturada-natureza-naturante), cabe outra espécie de paralelismo ampliado pelo efeito maquínico, uma máquina-fonte ligada a uma máquina-órgão: uma individuação biológica atrasa e prolonga a individuação física, mas não é só isso. A individuação psíquica atrasa e prolonga a individuação biológica, indo até as máquinas sociais.
Como ficou demonstrado, não há separação entre biologia, psiquismo, natureza e cultura. Os atrasos nas individuações biológicas e psíquicas retardam as individuações sociais, culturais e psíquicas. Trata-se das velocidades que são impostas também nas individuações do Ser pré-individual. “A condição para a existência das coisas, para a gênese de uma Natureza naturada, é uma velocidade não infinita da Natureza naturante, uma individuação no espaço e no tempo do Ser absoluto.”[3]
A “natureza humana espera”, por isso a síntese é passiva. “A natureza humana não é constituinte, mas há princípios que constituem essa natureza. O espírito passivo é ativado pela ação desses princípios.”[4] Na primeira síntese (passiva), não há um sujeito apriori para agir sobre as forças, tais forças constituem um sujeito. Nas sínteses passivas, ainda não existe sujeito para “sofrer” uma experiência. Só há sujeito nas “síntese ativas”, que são sínteses empíricas. O tempo é a questão crucial em Deleuze para explicar a questão das sínteses.

Ambos, objeto e imagem, são aqui virtuais, e constituem o plano de imanência onde se dissolve o objeto atual. Mas o atual passou, então, para um processo de atualização que afeta tanto a imagem quanto o objeto. O continuum de imagens virtuais é fragmentado, o spatium é recortado segundo decomposições do tempo regulares ou irregulares. E o impulso total do objeto virtual se quebra em forças que correspondem ao continuum parcial, em velocidades que percorrem o spatium recortado.[5]


[1] GUALANDI, A. Deleuze. São Paulo: Estação Liberdade, 2003, p. 70.
[2]  DELEUZE, G. e PARNET, C. “O atual e o virtual”. In: Diálogos. Tradução de Eloísa Araújo Ribeiro. São Paulo: Escuta, 1998, p. 177.
[3] GUALANDI, A., Deleuze. p. 71.
[4] DANOWSKI, D. apud BRUNO, M. Lacan & Deleuze: o trágico em duas faces do além do princípio do prazer. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2004, p. 151. [2000]
[5]  DELEUZE, G. e PARNET, C., O atual e o virtual,  p. 174.

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