AS SÍNTESES DO INCONSCIENTE
As sínteses são modos
de funcionamento do inconsciente. Cada síntese compreende uma máquina, e as
máquinas são as próprias operações. “Tudo é máquina”, no sentido de que sempre
há uma conexão com uma máquina fonte a uma máquina órgão. Mas antes há um
funcionamento ontológico das sínteses que operam em nível do inconsciente. Não
seria possível compreender tal funcionamento se ficássemos reféns do
inconsciente psicológico. As sínteses são operações anteriores ao princípio da
realidade.
A síntese conectiva de objetos parciais ou de produção
São três sínteses e três máquinas; as máquinas são os modos de operação
das sínteses.
A primeira é “a síntese produtiva, a produção de produção, tem uma
forma conectiva ‘e’, ‘e depois’. Há sempre uma máquina produtora de um fluxo e
outra que se lhe une, realizando um corte, uma extração de fluxos (o seio/a
boca)”.[1]
A ligação dos fluxos é feita pelo desejo (libido), que, constantemente, estabelece
agenciamentos com fluxos contínuos e de objetos parciais. Seguindo a lógica do
rizoma, os objetos parciais são sempre “cortados por outros objetos parciais,
os quais, por sua vez, produzem outros fluxos, que são ainda recortados por
outros objetos parciais”; uns fazem ligações, enquanto outros desligam.
“Qualquer ‘objeto’ supõe a continuidade de um fluxo, e qualquer fluxo a
fragmentação de um objeto.”[2]
Para cada síntese, há um uso legítimo e um uso ilegítimo das sínteses.
Em seu uso legítimo, a síntese conectiva forma uma associação por acoplamento.
A máquina é a máquina miraculante. A produção é a produção de produção. A
energia é a libido. O vínculo é a conjunção e... e depois. Ela procede por
cortes e fluxos. Há sempre uma máquina que corta e outra que emite fluxos, as
quais, contudo, podem alternar esse funcionamento.
A primeira síntese se faz por conexão, quando objetos parciais extraem
fluxos de outros objetos, quando cortam fluxos. Essa síntese, que atua por meio
de fluxos e cortes, é também denominada de síntese conectiva de objetos
parciais. O Anti-Édipo começa com esse exemplo, o leite materno que
funciona como fluxo que a criança extrai e corta ao sugar o peito.[3]
Essa máquina é denominada por Deleuze/Guattari de “máquina
miraculante”. Por ela, “o desejo não cessa de efetuar o acoplamento de fluxos
contínuos e de objetos parciais essencialmente fragmentários e fragmentados. O
desejo faz escorrer, escorre e corta”.[4]
A máquina miraculante[5] se confunde com a própria máquina
desejante, já que seu tipo de produção é a própria produção. “O acoplamento da
síntese conectiva, objeto parcial-fluxo, tem, portanto, também outra forma:
produto-produzir. Sempre o produzir está enxertado sobre o produto, eis a razão
pela qual a produção desejante é produção de produção.”[6] A energia que promove os acoplamentos é a
libido, energia de extração. Quando os acoplamentos são transversais, não
induzidos, locais, não específicos, em suma, livres, diz-se haver uma boa conexão,
ou “esquizofrênica”; por outro lado, quando a conexão é vinculada, global e
específica, fala-se de uma má conexão, ou “capitalista”.
É “característica da síntese conectiva” (produtiva) dessas máquinas
acoplar o elemento de produção a outra esfera de antiprodução. Entre essas
máquinas desejantes e o corpo pleno sem órgãos, existe esse conflito, mas é só
aparente. As conexões, os ruídos, a produção, tudo em relação às máquinas se
torna insuportável para o silencioso corpo sem órgãos.
“Sob os órgãos, ele sente larvas e vermes repugnantes, e a ação de um
Deus que o sabota e o estrangula ao organizá-lo.”[7]
Nesse sentido, os organismos são inimigos do corpo, querem fazer dele um
organismo, mas ele é só um corpo. Nesse encontro de aparente conflito, surge a
máquina paranoica como avatar das máquinas desejantes. “Resulta de uma relação
das máquinas desejantes com o corpo sem órgãos, enquanto este não pode mais
suportá-las.”[8]
[1] DELEUZE, G./GUATTARI, F., L’Anti-Oedipe, pp. 11-12.
[2] Idem, ibidem.
[5] Deleuze/Guattari
chamam de “máquina miraculante” aquela que realiza a primeira síntese de
conexão. A referência é ao Presidente Schreber, cujo corpo foi “miraculado”.
Supõe-se que, estando associado ao milagre, o conceito de máquina miraculante
tem a ver também com algo de admirável, maravilhoso. Além disso, miraculoso é
uma coisa extraordinária, regular na ordem natural, mas na qual não se conhecem
a causa nem o meio. Mas é, ainda, um acontecimento feliz, uma sorte, uma boa
ocorrência. Assim, procedem as conexões, buscando boas ligações, bons
acoplamentos, “miraculando” ligações.
[7] Idem, p.14.
[8] Idem, p. 15.
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