Política das máquinas


Para começar uma política, é necessário escolher um plano. Deleuze/Guattari desprezam a noção de campo para trabalhar com o conceito de plano.
Toda criação depende de um plano; as experimentações dependem de um plano. É o plano que determina a qualidade da experimentação. Quando se parte de um plano de organização, a experimentação e a criação já se encontram comprometidas. Carlos Castañeda deveria encontrar um lugar confortável de onde alcançasse a visão do mundo e do que estava prestes a acontecer. Esse lugar, no caso da experimentação, é o plano de imanência ou consistência do experimentador. Se o filósofo tem no plano de imanência seu lugar de criação de conceitos, os não filósofos, de forma semelhante, dependem de um lugar-platô – o qual é diferente de um estrato, que já é o plano de organização.
 O plano de imanência é como a ideia de um gradiente; o plano de consistência é quando já se conquistou a potência seletiva no plano de composição e consistência, e a organização não faz a mínima diferença. O plano de imanência não é bem um conceito; é uma precondição filosófica, precondição religiosa – não se vai necessariamente para a filosofia, pode-se ir para a religião também.
Pode-se estar num plano de composição espiritual e fazer dele o plano de imanência, uma dada estética religiosa, como é o caso do barroco, ou mesmo da pintura dos açougues de Francis Bacon.[1] O plano está lá como precondição de tudo. Ele pode ser uma ideia ou um conceito que uniria todos os elementos. Mas não se pode confundi-lo com um Todo ou com um Uno. Ele rompe com a Ideia metafísica ocidental clássica de unidade ou de totalidade. Daí a noção de fractal relacionada ao plano de imanência; ele é a condição de toda a regionalização, de toda topologização ou de toda habitação em regiões, o que se remete ao primeiro princípio da filosofia espinosista, “uma única substância para todos os atributos”.[2]
A “substância é feita de infinitos atributos infinitos”, um plano de imanência que tem infinitos atributos. Justiça é um atributo infinito; pensar é outro atributo infinito. Cada verbo é um atributo infinito do ser, uma morada do ser no Plano de Imanência, é onde os atributos se efetuam. O atributo – vamos exemplificar correndo o risco de reduzi-lo – é a condição do plano de articulação, de conexão ou de composição, é onde as coisas se compõem.
O atributo é o útero da composição, ou seja, é onde as forças, as intensidades ou as potências se relacionam. Força, intensidade e potência se diferenciam de forma, de figura e de imagem. Nada disso sobrevive, nem forma, nem figura ou imagem; mas apenas força, potência e intensidade. São forças supra-humanas, desejo sub-humano, afectos e devires. O plano de composição é onde pululam as intensidades do plano de imanência; é um plano informal, não tem forma, são intensidades e forças que se ligam. Ele já é atualização, ao mesmo tempo virtual e atual. Ele é virtual porque a potência necessita do ato e às vezes ele só é potência.
A composição ocorre sempre no ato, mas o ato não é necessariamente figurativo ou orgânico; ao contrário, o ato é anterior ao órgão, à figuração ou à existência. O ato é que atualiza a potência, já forma um diagrama –[3] no pensamento de Foucault, um diagrama de poder. O diagrama a que estamos nos referindo funciona na atualização de potência, mas ainda não é um estrato. O estrato já é plano de organização.
O sinônimo de plano de organização é estrato: imagens, figuras, ideias feitas, corpos prontos, tudo isso é plano de organização.


[1] Cf. DELEUZE, G., Francis Bacon – Lógica da sensação,  p. 31.
[2]  DELEUZE, G. Espinosa: filosofia prática. São Paulo: Escuta, 2002, p. 128.
[3] Esse é o conceito de Foucault que corresponde ao conceito de máquina abstrata de Deleuze/Guattari. “(...) todo diagrama é intersocial, e em devir. (...). Ele duplica a história com um devir”. Essas ideias podem ser resumidas em uma frase: “As máquinas abstratas consistem em matérias não formadas e funções não formais”. Esse diagrama, ou máquina abstrata, segundo Gilles Deleuze, não é único, há uma infinidade de diagramas. Podemos conceber um número X de diagramas tanto quanto podemos considerar um número X de sociedades diferentes (campos sociais). Essa máquina abstrata é imaterial e fluida (DELEUZE, Gilles, Foucault, p. 45, e DELEUZE/GUATTARI. Mille plateaux, p. 637.

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