A potência do devir II


O devir não é história, mas com ele abre-se a possibilidade de criação de um novo sujeitos da Histórica. A construção de linhas de fuga ao poder da máquina capitalista de produção de subjetividade, enxergando – nas rupturas abertas pelos processos de singularização – uma recusa que visa construir novos modos de sensibilidade e criatividade, produtores de uma subjetividade singular. Tais processos de singularização, ao desenharem novas cartografias do desejo, irredutíveis ao controle centralizado, criam condições de possibilidade para a emergência de revoluções moleculares, constituindo micropolíticas. “Toda problemática micropolítica consistiria, exatamente, em tentar agenciar os processos de singularidade no próprio nível de onde eles emergem” .[1]
Os processos de singularização abrem rupturas na individualidade serializada produzida pela cultura, nesta subjetividade normalizada que é a de um sujeito-objeto da administração e da organização capitalistas.  Já o devir liga-se à possibilidade ou não de um processo de singularização, no qual singularidades podem entrar em ruptura com as estratificações dominantes.  Os novos sistemas de comunicação, em redes sociais, bem como, os novos sistemas sociais de minorias, apostam na multiplicidade e na pluralidade, rompendo com as propostas de proteção da identidade, pois a identidade significa o retorno ao Mesmo, ao Idêntico. Enquanto atuarem como processos de singularização, de autonomia ou de micropolítica em suas diferentes formas de resistência molecular, esses sistemas podem manter, em permanente questionamento, o projeto de controle social em escala planetária.
Para Guattari/Rolnik, a micropolítica implica, enquanto uma cartografia do desejo, na invenção da autonomia que não se circunscreve apenas às práticas alternativas, aos movimentos das “minorias” organizadas ou às ações de revolta, resistência e contestação. Partindo desses territórios de existência, esta cartografia os ultrapassa e desenha novos campos de ação e de vida, produzindo autonomias que podem alterar a relação de poder na sociedade. Entretanto, apesar da possibilidade de rupturas, os novos movimentos sociais – incluo as piratarias ao modo Hakim Bay – correm o risco da reiteração do que combatem, aprisionando os novos territórios vitais nas antigas territorialidades do já pensado e do já desejado. A ideia é afrontar o poder do “rolo compressor da subjetividade capitalística, da unidimensionalidade, do equivaler generalizado, da segregação, da surdez para a alteridade”[2] a partir de dentro.


[1] GUATTARI, F. e ROLNIK, S. Micropolítica: cartografias do desejo. Petrópolis: Editora Vozes, 1986:191, 130
[2]GUATTARI, F. Revolução molecular: as pulsações políticas do desejo. São Paulo: Brasiliense, 1992, p.115

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