OS TRÊS MODOS DE PRODUÇÃO
As três sínteses operam três tipos diferentes de produções: produção de
produção (ações e paixões), produção de registro (distribuição e marcação) e
produção de consumo (volúpias, angústias e dores). Dito de outra maneira, as
máquinas funcionam por meio de sínteses. As sínteses são partículas que
colidem, se misturam, se afastam ou permanecem juntas, agregam-se para formar
uma combinação maior, é o caso da síntese conectiva. A síntese conectiva é
acumulação estatística de partículas. Ela comporta uma dobra de condensação que
é a “produção de produção”: a criação de uma individualidade como se fosse do
nada.
Ao final da síntese conectiva, conexão de duas partes, ocorre o começo
de uma nova síntese, dessa vez a “produção de registro”, ou seja: uma vez que
as partículas e seu passado geológico foram registrados numa formação estável,
torna-se possível haver mais percepções reguladas e mais capturas elaboradas: o
depósito de sedimentações vira percepções reguladas, e mais capturas
elaboradas. Ele é inscrito nos livros de balança, registrado na economia do
capital, a operação de encontrar e amontoar, uma economia gregária.
Na segunda síntese, a operação consiste em separar, dividir e extrair.
Nessa segunda síntese, mantém-se uma natureza divisiva, por isso síntese
disjuntiva. Mais propriamente, é de uma natureza disjuntiva exclusiva. Segundo
Massumi, ela divide tudo, mas mantém a sedimentação.[1]
A síntese conectiva, que faz a mistura e sedimenta, é passiva. A
síntese disjuntiva que produz uma construção, por sua vez, é ativa.
Conforme Massumi, o resultado das sínteses disjuntivas são produtos de
atividades culturais autorreprodutoras que se estendem sobre um estoque de
memória ou conhecimento, dirigidas ao uso mais ou menos utilitário.
A terceira síntese, conjuntiva, é composta da sedimentação da síntese
anterior, e constrói um prédio, um fórum, para usar a metáfora de Massumi.
O fórum não se reduz ao edifício, mas ao acoplamento das partes: juízes,
funcionários, processos, livros, advogados e réu. Conjunto de objetos e coisas
disjuntas que compõem sínteses conectivas e disjuntivas. Andam separadamente,
mas se associam de forma permanente como a argamassa do edifício. A “síntese conjuntiva” é também de consumo,
mas não o é no sentido de que ela consuma fisicamente suas coisas. “Sua captura
é essencialmente incorpórea: o pronunciamento da sentença faz de um homem
instantaneamente um criminoso”,[2]
e a sentença consuma o ato de ser criminoso.
[1] MASSUMI, B. A Users Guide to
Capitalism and Schizophrenia.
Deviations from Deleuze and Guattari. Cambridge/Massachusetts: MIT Press,
1993, pp. 47 48.
[2] MASSUMI, B., op. cit., p. 50. De acordo com Foucault, ao longo do processo de formação da
sentença, o juiz necessita de diversas instâncias anexas, extrajudiciais, que o
apoiem ao longo do processo penal uma decisão judicial baseada em diversos
saberes extrajudiciais. Surgem, assim, “pequenas justiças e juízes paralelos
que multiplicam em torno do julgamento principal”. A atividade de punir fica
assim faccionada por “peritos psiquiatras ou psicólogos, magistrados de
aplicação das penas, educadores e funcionários da administração judiciária”
(FOUCAULT, M. Vigiar e punir. Tradução
de Raquel Ramalhete. Petrópolis: Vozes, 2007, p. 22.)
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