A potência política do devir
Devir,
no senso comum, significa “transformar-se em”. Em Deleuze/Guattari, o sentido é
complexo e mais abrangente. Por exemplo, o
“devir-animal” do homem não significa que este se transforme em animal, mas um
processo que se dá pela mistura dos corpos, por simbiose. É um
termo que remete à economia do desejo. A noção conceitual do desejo não se
separa do termo fluxo, o desejo prolifera por fluxos que procedem por afetos e
devires. Tudo pode ser investido por fluxos de desejo. É o investimento do
desejo que põe, pessoas identificadas ou imagens em processo de devir. Assim um
individuo, etiquetado antropologicamente como masculino, pode ser atravessado
por devires múltiplos e, aparentemente
contraditórios. Um devir feminino pode coexistir com um devir criança,
um devir animal, um devir imperceptível. Uma língua dominante (maior) pode ser
localmente capturada num devir minoritário. Ela será qualificada de "devir
menor". É o que ressaltam Deleuze/Guattari em relação à Kafka que escreve
num dialeto alemão de Praga.
Um exemplo é o devir do encontro vespa-orquídea: as flores da orquídea
são polinizadas em grande parte pelas vespas, e muitas de suas flores são
adaptadas para a polinização dessa espécie de inseto. Dessa simbiose,
vespa-orquídea, reino vegetal e reino animal, cria-se um vínculo entre ambos os
reinos, ou seja, ocorrem as núpcias entre dois reinos distintos. Mas um não se
torna o outro, nem mesmo surge daí uma vespa-orquídea.
O que os autores pretendem dizer é que há antes uma comunicação por
contágio, e a formação de um campo povoado de intensidades. Devir, assim, é
expansão, propagação, ocupação, contágio, povoamento. Nós mesmos tornamo-nos
animais pelo fascínio pela matilha, pela multiplicidade.[1]
Os devires são encontros de heterogêneos. O devir-mulher, por exemplo,
pelo qual passam tanto homens quanto mulheres, possibilita que se escape à
oposição binária entre homem e mulher, para que se encontrem as quantidades
intensivas da sexualidade não definida por fora e binariamente: “n” sexos não humanos
que põem em fuga as definições binárias de sexualidade. São os sexos
moleculares sobre a linha de fuga que entra na operação n-1.
Sob tal perspectiva, a interpretação
freudiana do caso Homem dos lobos
perde completamente o sentido que lhe foi dado. O devir é uma questão de
velocidade, por isso é desterritorialização; para se viver uma experimentação,
é necessário entrar em devir. A experimentação em devir é sempre mais rápida do
que a experimentação da maioria; está sempre atrasada por gastar seus esforços
em tentar deter as singularidades a todo custo. Nisso, consiste a fraqueza do Estado:
tentar deter paranoicamente o devir-minoritário. As linhas de fuga do
devir-minoritário não são axiomatizaveis, como é o caso da maioria. A maioria
faz a história enquanto o devir-minoria, com suas linhas de ruptura, faz uma
geografia no meio da história.
[1] Negri
e Hardt apontam que a multiplicidade e a singularidade da multidão são negadas
na camisa de força da identidade e homogeneidade do povo. A luta contra o
capital é a luta contra a identificação, e não a luta por uma identificação
alternativa (HARDT, Michael e NEGRI, Antonio, Império, e HARDT,
Michael e NEGRI, Antonio. Multidão. Rio de Janeiro: Record, 2005).
Experimentação !!!! Eis uma grande iniciativa ao Devir !!! ( acho eu... )
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