As máquinas de guerra II
Como se define uma máquina de guerra? Pela velocidade, pelo
deslocamento contínuo, pelas bifurcações que seguem a lógica do rizoma. Nunca
se extermina o que se desloca por rizoma ou por velocidade de ataque: os
bandos, as falanges, as matilhas. Pierre Clastres dá essa contribuição à
filosofia política ao estudar as sociedades que têm em sua lógica de
funcionamento a máquina de guerra, por isso são as sociedades contra o Estado,
sejam Estados potenciais, cuja formação ela conjura de antemão, sejam os
Estados atuais, cuja destruição se propõe.[1]
Vê-se isso na lógica de
deslocamento dos “grupos”: eles detêm mecanismos de deslocamentos contínuos. O
Estado sempre enfrentará dificuldade em conter os “grupos” que têm como lógica
de movimentação a máquina de guerra, estejam eles vindo do interior ou do
exterior do Estado. “Os bandos de pilhagem ou de pirataria”, “bandos de
formação religiosa” – mesmo que determinados grupos/bandos estejam a favor ou contra
o Estado, é a movimentação que determina sua relação com uma máquina de guerra.
Um grupo pode estar com o Estado até determinado ponto, as
“organizações mundiais” podem funcionar “irredutíveis ao Estado até o ponto em
que sua forma de exterioridade se apresente necessariamente como uma máquina de
guerra”.[2]
Uma máquina de guerra só vai bem com o Estado enquanto sua exterioridade não
ameaça desterritorializar as fronteiras desse Estado. A Forma-Lei do
funcionamento do Estado é voltada para o interior, por isso o Estado é
determinado pela existência de um território geográfico e sedentário.
Interioridade e sedentarismo do aparelho de captura do Estado contra a
exterioridade e o nomadismo da máquina de guerra nômade. Ao mesmo tempo, o
Estado tem de conviver com a exterioridade que lhe escapa continuamente, aquilo
que surge em seu interior e que lhe é uma ameaça constante.
Os aparelhos de captura são máquinas de garantia contra essas
insurreições repentinas. Dizemos que o Estado “tem de conviver” com determinada
quantidade de exterioridade porque elas coexistem em toda forma interior. Há
uma política acontecendo sempre que houver a presença de intensidades. Entre o
maior e o menor, coexiste um jogo de forças: ciência maior versus ciência menor; literatura maior versus literatura menor; língua maior versus língua menor; antropologia maior versus antropologia menor etc.
O sentido de maior, aqui, está voltado para a forma interior
comprometida com o Estado: uma língua de Estado; uma antropologia de Estado;
uma literatura etc. Até mesmo uma filosofia de Estado calca-se na interioridade
de suas proposições, enraizadas num grande sistema arbóreo, que determina a
fala e os meandros do pensamento. Vimos isso na quádrupla raiz da representação,
que garante a funcionalidade orgânica do pensamento clássico.[3]
Da teoria geral da política do
desejo do Anti-Édipo, Deleuze/Guattari concluem a obra com “um conjunto
de teses críticas às concepções racionalistas e liberais, bem como ao
marxismo”. A questão ainda persiste: “domínio de fluxos”. As questões de
direito e liberdade civil que se encontram no terreno do “racionalismo liberal”
são, portanto, criticadas e deslocadas para o plano do domínio dos fluxos.
A política é recolocada em função de dois tipos de “agenciamento que
são extensivos a toda história humana”. Desde O Anti-Édipo, a proposta é
a de permanecer fiel a uma nova compreensão das sociedades, outra forma de
estudá-las: não defini-las por suas contradições ou pelos grandes
acontecimentos centrados em personagens, mas pelos modos de codificação dos
fluxos e por “suas linhas de fuga”. Os autores não consideram as classes
sociais, como faz o marxismo, mas “sim as minorias como potências
revolucionárias”.
Desse modo, a
definição da máquina de guerra contra os aparelhos de Estado não se remete à
guerra, mas pelo afrontar das máquinas de guerra, “por certo modo de ocupar e
de inventar novos blocos espaço-temporais”. A máquina de guerra se constitui,
portanto, em potência de resistência. Daí, os autores criarem o termo minoria
ou menor para uma antropologia menos reconhecida (Clastres, Castañeda...), uma
língua que gagueja em uma literatura que subsiste ao aparelho de Estado. São
esses os meios que fazem uma máquina de guerra funcionar; as minorias dão
movimentos e aceleram os devires, que tentam escapar do controle dos axiomas
capitalistas e das instituições que o compõem.
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