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Mostrando postagens de janeiro, 2014

Experimentação com drogas II

Em temporada no México, aguardando para participar de um ritual com Peiote , Antonin Artaud ouviu algo muito semelhante às ideias de Fontana, acerca de um índio:  “O peiote, percorrendo todo o eu nervoso, ressuscita a memória dessas verdades soberanas e não faz, foi-me dito, perder mais nada à consciência humana, e ao contrário permite que ela recupere a percepção do Infinito”. [1] Tanto no relato de Artaud como nas conclusões de Fontana, as percepções sensitivas de integração cósmica, ligadas ao infinito, tendem a ser interpretadas como um caminho para a construção de outro tipo de conhecimento.  Com essas drogas em psicoterapia, havia um ganho na intensidade do material trabalhado, ou seja, as memórias e ideias dos pacientes eram investidas de afectos primários, quase instintivos, que rompiam as barreiras da racionalização. Pesquisas realizadas em pacientes esquizofrênicos revelam estreita associação entre a percepção alucinógena e o que seria a percepção na loucura. Ou seja

Experimentação com drogas

                           Por que trabalhar com Carlos Castañeda em filosofia? Como já citamos, Deleuze/Guattari abrem a filosofia a uma exterioridade, a domínios exteriores a essa disciplina. Com isso, mostram que o “pensamento não é exclusividade da filosofia, mas uma propriedade de qualquer tipo de saber”. [1] São as ressonâncias da filosofia que ecoam em muitos planos. À maneira indígena, Carlos Castañeda é um grande pesquisador do corpo sem órgãos.  Os feiticeiros do México antigo costumavam usar três plantas alucinógenas: o peiote , a datura e o cogumelo . [2] Eles já conheciam as propriedades alucinógenas dessas plantas. Os xamãs usavam essas ervas segundo a descrição etnográfica de Carlos Castañeda, “para o prazer, para as curas, para a feitiçaria e para se atingir um estado de êxtase”. [3] Segundo seus ensinamentos, a Datura inoxia e a Psilocybe mexicana eram usadas “para a aquisição do poder que ele denominava ‘aliado’. Associava o uso da Lophophora williamsi

POLÍTICA DE EXPERIMENTAÇÕES

            As experimentações com a própria vida são a base da micropolítica. Trata-se, aqui, de uma política que é imediatamente prática, pois lida com forças e intensidades.             É no corpo que experimentamos a chegada ou a fuga de parcelas de imanência, ou de pequenos corpos sem órgãos, por isso ele requer prudência. O corpo se encontra organizado por estratos desde a infância. E o conjunto dos estratos é o sistema de juízo de Deus, grande demais para ser enfrentado. É preciso contar com “injeções de prudência” para não se fracassar. O fracasso faz com que o juízo de Deus recaia sobre o experimentador com mais violência ainda.             É a mesma questão de “como fazer para si um corpo sem órgãos”: existem linhas nas quais o experimentador se engancha. É preciso perguntar a si mesmo: “Como produzir as intensidades correspondentes, sem as quais ele permaneceria vazio?” Outra questão: “Como chegar ao plano de consistência?” Como atingir a “conjugação das intensidade

Máquina de Guerra da infância V

A diferença interpretada orgânica ou estruturalmente (pênis-órgão, significante fálico) lança um erro fatal: reduzir a riqueza do desejo e da libido às condições da sexualidade. Para Deleuze/Guattari, o que interessa às crianças é a univocidade do material com as conexões e as posições variáveis com que esse material se encontra no mapa de linhas que elas traçam. É a mesma questão de posicionamento de uma máquina de guerra que funciona sem um pivô, um general, por exemplo.                                                 A solução sem general aparece para uma multiplicidade acentrada que comporta um número finito de estados e de sinais de velocidade correspondente, do ponto de vista de um rizoma de guerra ou de uma lógica da guerrilha, sem decalque, sem cópia de uma ordem central. Demonstra-se mesmo que uma tal multiplicidade, agenciamento ou sociedade maquínicos, rejeita como ‘intruso a-social’ todo autômato centralizador, unificador. [1] A univocidade com que as crianças lida

Máquina de guerra da infância IV

Para Deleuze, o erro começa pela escolha errada do plano. O plano submete a teoria: desde o começo, não é a teoria que determina o plano. Um plano de organização já teórico em seus fundamentos. “Pois o fracasso faz parte do próprio plano: é preciso, com efeito, sempre retomar pelo meio, para dar aos elementos novas relações de velocidade e de lentidão que o fazem mudar de agenciamento, saltar de um agenciamento para outro”. [1] Quando se está diante de Quantidades intensivas, não é mais de um plano de organização que se vai tratar, há variações de posição que depende das conexões e dos agenciamentos com a univocidade do ser e desejo.  O que está em jogo são as multiplicidades e os agenciamentos maquínicos que constroem o plano, que se encontra determinado por graus de potência: velocidade, repouso e lentidão. Daí em diante, não existem apenas dois sexos que submetem toda interpretação (do olhar teórico) e preocupação da moral familiar; existem vários sexos que se conformam e de

Máquina de Guerra da infância III

O pequeno Hans tenta, constrói um rizoma com a casa de sua família, com o prédio, a rua, e a obstrução dessas linhas (interferência danosa do pai e de Freud) só poderia ser combatida no “devir-animal” do menino, que aparece na forma de sintomas fóbicos.  O desejo real de uma criança de fazer agenciamentos com outros, por inferência do analista, torna-se um segredo sujo. É “necessário” que esse desejo de ocupar espaços na rua esconda outra coisa. “Freud não entende nada de agenciamentos, nem de movimentos de desterritorialização que os acompanham (...). Ele só conhece o território familiar.” [1] Quando se admite na psicanálise a existência de outro agenciamento, é para ser representativo da família. Todas as amantes desejadas são espécies de avatares do desejo pela mãe. Por isso, o Anti-Édipo é voltado contra essa figura, que pretende atingir a totalidade e cujo desejo secreto permanece dirigido ao que há de mais íntimo na família, a mãe, cuja satisfação do desejo é condenada ao

Máquina de Guerra da infância II

As tentativas de agenciamentos maquínicos da criança e seu devir-animal vão sendo sufocados. Hans quer descer as escadas para se juntar à sua amiguinha Mariedl e dormir com ela. Segundo os autores, “movimento de desterritorialização pelo qual uma máquina-menino se esforça para entrar em um novo agenciamento”. [1] Hans vem de um agenciamento com seus pais e se, na cabeça da criança, um agenciamento não é exclusivo (não há esse tipo de interpretação), na cabeça dos adultos é. Eles estão presos a agenciamentos excludentes: essa família, e não outra; dentro dessa casa e fora dela; homem e mulher etc.  A primeira tentativa de desterritorialização será malsucedida, pois as premissas da casa já definiram as “cartas do jogo”: Hans está subordinado ao modelo de agenciamento exclusivo. Em sua compreensão, as moças da casa não são como deveriam ser. Segundo seu ponto de vista, há algo (estranho) que o impede de ir até lá.  Mas ele não para por aí; ele faz outra experimentação (criança não

A máquina de guerra da infância

Um devir é uma máquina de guerra nômade; entrar em devir é, ao mesmo tempo, entrar em combate. Deleuze lembra que não se deve se confundir o devir com a história. Devir não é linear, com ponto de partida e chegada. Entrar em devir e passar por nomes da história sem se tornar a história em que os nomes aparecem.  Em verdade, devir é se des-historicizar e, ao mesmo tempo em que se encontra em meio aos acontecimentos da história, experimentar os afectos de todos os personagens da história, entrar em linhas de fuga e descodificar os nomes que se encontram sobrecodificados. Como o devir-criança em Kafka, que esbarra na “edipianização do universo”. Kafka faz uma operação de reversão de guerrilha, aumenta o próprio pai, para fazer com que ele surja como é, “e dá-lhe uma agitação molecular em que se desenvolve um combate completamente diferente”. [1] As investidas fracassadas do pequeno Hans fazem de sua prática uma política de desvantagem em relação ao adulto – são todos contra