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Desejo

Já não cabe falar de desejo-falta, pois aquilo que falta acaba por ocupar um lugar de objeto. Para escapar do objeto não é suficiente silenciá-lo sob o signo da falta ou dos fantasmas: ele se presentifica no vazio da carência de ser objeto.  Essa carência em-ser nem mesmo pode se constituir em campo de imanência ao desejo, pois a falta remeteria o desejo a algo que funcionaria como um ponto de partida, uma lembrança, uma imagem ou mesmo uma lei onipresente que funda um significante. Qualquer operação dessa ordem roubaria do desejo a sua natureza livre e imanente ao corpo sem órgãos.  Este é um corpo destituído de imagem. O desejo está em estreita relação com a matéria em movimento, ao plano de imanência, então, já não é o desejo que desejava o perdido, mas o desejar em infinito, movimento em ação mergulhado sempre num campo intensivo. O processo de desejo é gozo e não carência ou demanda.  O desejo não tem nada a ver nem com a carência, nem com a lei. Então, desejar não si

Desejo

O desejo vinha sendo pensado sempre na linha de Sócrates, Platão, Schopenhauer, entre outros.  Em nossos dias, pela psicanálise, sempre atado a uma carência, sempre fechado em torno de algo faltoso.  Se a vida é uma falta em ser, sempre a partir dessa carência, o desejo é justamente essa falta.  Isso implica a permanência da relação de um sujeito e de um objeto, em que o desejo é pensado em relação ao objeto que, a partir do jogo da realidade, sempre terá que ser parcial e representativo, já que o objeto total está para sempre perdido (a criança e a mãe na relação simbiótica, o mundo e as Ideias em Platão, a imagem de Deus no judaísmo e o Éden do cristianismo).  Nessa linha de pensamento, o sujeito do desejo não passa de uma representação do absoluto, uma imagem desfigurada como aparece no cristianismo: o homem na queda do Éden perdeu a semelhança com o criador.  A condição doentia do homem passou a se conformar com aquilo que se considera normalidade. E o que é o

Desejo

O desejo sofreu esta transformação curiosa, se interiorizou. É a castração, é a falta, é a impossibilidade irreversível: “você tem que aprender a conviver com isso”, “essa é sua questão”, ou ainda, “esse é seu problema”.  Não é mais uma carência a ser suprida, mas uma carência a ser assumida. É uma concepção lamuriosa do desejo, chorosa, um mar de desgraças.  Se já não fosse suficientemente entristecedor, é preciso lembrar que a carência, a lamúria e a falta se constituem em terreno fértil para os sacerdotes.  O que vai se construindo é uma progressiva despotencialização da vida. Em outras palavras, o homem vai se afastando do que pode: ele deixa de ter fé na terra e passa a lamentar estar nela.  E o sacerdote vai viver dessa lamúria, as religiões vão até mesmo aprofundar esta lamúria.  Aprofundam-nas porque dela vivem. Dessa forma, os sacerdotes são chamados para oferecer um bálsamo que alivie as dores. Eles intensificam a dor para depois aliviarem, esse é o comér

Amor

Tanto em Aristófanes, quanto nesse diálogo de Sócrates com Agáton, o amor busca algo que ele não tem, o amor busca algo do qual carece, busca algo que está fora dele, busca algo para preenchê-lo, é a mesma história de desejar ter o futuro que não tem.  O amor, então, busca algo que seja perene, eterno e imortal. A perfeição do objeto deve compensar a imperfeição do sujeito. O que temos aqui? Uma transcendência, uma teologia.  Em que sentido é transcendente? Algo que vem de fora, que vem de cima e que vai suprir a falta. Essa matriz transcendente está inteiramente intocada, ela permeia nosso discurso e nossa vivência do desejo.  A matriz permanece intocada por que ela é desencarnada, fixa e suspensa acima do mundo.  Agora já se é mais sofisticado, já não se acredita nesse objeto salvador, tal como fora em Platão. Não se crê mais neste objeto que viria nos salvar.  De uma certa forma, ficou-se até mais triste, porque se fez da resignação a esta carência uma nova reli

Amor

O amor nasceu da seguinte maneira: os deuses foram dar uma festa em homenagem ao nascimento de Afrodite.  Nessa ocasião estava presente, entre os convidados, um deus chamado Poros, que pode ser traduzido por esperteza.  E Pênia, que significa pobreza, invadiu a festa dos deuses para se aproveitar do momento em que Poros se encontrava embriagado de néctar.  Desse encontro amoroso de uma humana com um deus, nasceu um filho. O filho de Pênia com Poros se chamou Eros.  O amor é sempre pobre, no sentido em que ele é sempre um pedinte, um indigente. Isso pelo lado da mãe, mas pelo lado do pai ele é esperto, insidioso, maquinador, cheio de estratagemas e recursos.  O amor, nesse mito, é filho de um deus com uma mortal, se por um lado parece ser auto-suficiente, por outro lado, é carente de algo que não tem.  O amor tem uma função de complementação entre a Terra e o Céu, entre os homens e os deuses, entre aquilo que se separou. 

Banquete

O homem é naturalmente religioso, o homem busca naturalmente as coisas que são do Alto ou ainda, o homem tem sede de Deus. Nessa dialética, se convencionou dizer que o psiquismo é isso. Mas valeria a pena pensar que essa concepção é histórica, nasceu lá com os gregos da Grécia Clássica.  Para Platão, isso não é um problema, é um propulsor que eleva o homem a uma esfera inteligível em que ele contempla a Ideia e isso só estimula o pensar filosófico, no qual pela filosofia o pensador poderia encontrar estabilidade, inteireza, justeza, perenidade que a nossa condição de mortais nos nega. A divisão do mundo, operada por Platão, instaura uma separação no seio do ser, operando, com seu método da divisão, uma diferença de natureza entre dois planos.  De um lado, estabeleceu um plano divino constituído por Ideias, mundo ideal acima das estrelas, mundo das essências ou puras formas inteligíveis, lugar dos modelos superiores que implicam uma realidade verdadeira que existe em si e perma

Banquete

Tanto em Aristófanes, quanto nesse diálogo de Sócrates com Agáton, o amor busca algo que ele não tem, o amor busca algo do qual carece, busca algo que está fora dele, busca algo para preenchê-lo, é a mesma história de desejar ter o futuro que não tem. O amor, então, busca algo que seja perene, eterno e imortal. A perfeição do objeto deve compensar a imperfeição do sujeito.  O que temos aqui? Uma transcendência, uma teologia. Em que sentido é transcendente? Algo que vem de fora, que vem de cima e que vai suprir a falta. Essa matriz transcendente está inteiramente intocada, ela permeia nosso discurso e nossa vivência do desejo. A matriz permanece intocada por que ela é desencarnada, fixa e suspensa acima do mundo.  Agora já se é mais sofisticado, já não se acredita nesse objeto salvador, tal como fora em Platão. Não se crê mais neste objeto que viria nos salvar. De uma certa forma, ficou-se até mais triste, porque se fez da resignação a esta carência uma nova religiosidade: se o

Banquete

Sócrates introduz no diálogo um outro personagem para fazer um estratégico desvio:  Diotima que era entendida em questões de amor e, supostamente, tudo o que ele sabe sobre amor aprendeu com ela.  Diotima contou para Sócrates como nasceu o amor. O amor nasceu da seguinte maneira: os deuses foram dar uma festa em homenagem ao nascimento de Afrodite.  Nessa ocasião estava presente, entre os convidados, um deus chamado Poros, que pode ser traduzido por esperteza. E Pênia, que significa pobreza, invadiu a festa dos deuses para se aproveitar do momento em que Poros se encontrava embriagado de néctar.  Desse encontro amoroso de uma humana com um deus, nasceu um filho. O filho de Pênia com Poros se chamou Eros. O amor é sempre pobre, no sentido em que ele é sempre um pedinte, um indigente.  Isso pelo lado da mãe, mas pelo lado do pai ele é esperto, insidioso, maquinador, cheio de estratagemas e recursos.  O amor, nesse mito, é filho de um deus com uma mortal, se por u

Banquete

Para Sócrates, saber significa saber definir a essência das coisas. Quem não sabe definir as essências das coisas, fala, mas não sabe nada, não diz coisa com coisa e acaba entrando em contradição consigo mesmo. Definir uma coisa, para Sócrates, é atingir a sua essência.  Na intervenção que faz ao discurso de Agatão, ao invés de arranjar argumentos sobre o amor ou florear os méritos do amor, Sócrates quer uma definição do amor, deseja examinar a sua essência, quer a natureza do amor para depois verificar os seus efeitos. Sócrates pergunta: “o amor é amor de nada ou amor de algo?”.  E Agatão responde: é amor de algo. E Sócrates diria assim: e o amor deseja e ama quando ele tem isto que ele deseja e ama, ou quando ele não o tem? Agatão responde: quando não o tem. Sócrates montou uma armadilha para Agatão.  Com duas frases, Sócrates faz uma desarrumação no discurso de Agatão, numa suposta atitude de quem ignora, nisto consiste a sua genialidade. Se o amor é o amor de algum

Intercessores

Não precisamos valorar as ideias, dar-lhes um estatuto de justiça ou justeza, assim como tentaram fazer com a vida, esquecendo que à vida nada falta, não é uma questão de valorá-la ou aquilatar o pensamento, mas de transvalorar os valores.  Os encontros são agenciamentos de ideias e é desses encontros que se extrai a potência dos conceitos. Para Deleuze e Guattari, a história da filosofia sempre se comportou como um agente de poder em relação ao pensamento. Se não se leu Platão, Descartes, Hegel, Kant, Heidegger, como se pode estar falando essas coisas? “Uma formidável escola de intimidação que fabrica especialistas do pensamento, mas que também faz com que aqueles que ficam fora se ajustem ainda mais a essa especialidade da qual zombam”.  É assim que a história da filosofia concebe a filosofia. Essa história é feita como uma forma de “intimidação do pensamento”, uma forma de fazer o pensamento ter receio, um meio de fabricar especialistas da justiça e da justeza. Diferente do

Intercessores

Não se trata apenas do encontro inter-pessoas, mas de um encontro de ideias, de movimentos, de acontecimentos. Desde que saibamos vê-los, desde que com eles nos conectemos, desde em que neles nos impliquemos.  Tais encontros são como um devir, devir vespa-orquídea, no qual cada um encontra o outro ainda que cada um não tenha nada a ver com o outro. É o encontro da diferença que produz um algo entre os dois. Não é o encontro em que um se torna o outro, é o encontro que introduz um entre-dois, é uma novidade, uma nova possibilidade de vida: no trabalho, na família, na escola, na religião, na rua, em qualquer lugar.  Não é cópia de modelo pronto, não é assimilação de um pelo outro, não é interpessoal, é uma mistura em que um rouba o outro e o roubo não é plágio nem cópia: roubar uma potência não é copiar nem de plagiar. Trata-se de se deixar afetar por uma potência que se encontra no pensamento do outro. Assim como Deleuze e Guattari que se roubaram o tempo todo, mas não deixaram

Inconsciente

A força desse inconsciente é a discórdia de sensibilidade que força cada faculdade a “sair dos eixos”.  E esses não são as formas derivadas do senso comum que fazem o pensamento girar em torno de um centro.  Entretanto, para que o pensamento invente, é preciso que o incomparável seja enfrentado.  Sob tais condições, contudo, o pensamento pode adquirir uma força capaz de criar as condições materiais que o engendram.  Só assim, o pensamento não se percebe mais como um estado, mas como um devir, como um processo construtivo e criativo. Segundo Badiou, em Deleuze, O Clamor do Ser, “o Fora como instância de força ativa, apoderando-se de um corpo, selecionando um indivíduo, o ordena à escolha de escolher”.  Depois, Badiou conclui com Deleuze: é “justamente do autômato assim purificado que se apodera do pensamento do Fora, como o impensável no pensamento”.  As condições do pensamento dependem de uma depuração, de um descentramento que só as forças da imanência podem o

Inconsciente

Mas o Fora não pode ser confundido como “o algo” que vem para “o dentro” e, pronto, põe-se a maquinar o pensamento.  O fora da “ilha”, nas palavras de Castañeda. É o todo que rodeia a ”ilha”, tomando como ilha a noção desse autor, tudo o que sabemos e pensamos, a forma como nos vestimos, fazemos religião, acreditamos nas coisas e delas representamos.  Algo parecido com o que Deleuze/Guattari consideram. “O fora não tem imagem, nem significação, nem subjetividade” .  O Fora, só poderia se referir ao fora de toda representação, no qual o pensamento é forçado a pensar por que algo que ainda não é pensamento desorganiza a consciência, antes de qualquer imagem, portanto, longe dos riscos da representação.  Um Fora de qualquer mundo, o pensamento não pode vir de nenhum “dentro”, “ele vem desse Fora, e a ele retorna; o pensamento consiste em enfrentá-lo.

Inconsciente

No que tange ao inconsciente como produção primária, Pardo, seguindo Deleuze/Guattari, associa-o com a primeira caracterização que Freud faz do inconsciente, como “processo primário”.  Nele, a energia, a libido, a energia do Isso não está ligada a nenhum objeto, nem a nenhuma função. É uma energia livre que circula libido em estado puro.  Ainda somos presos aos modelos de observação centrados, e o destronamento desses, segundo Oliveira, vai “depender de uma profunda renovação de nosso entendimento sobre a composição e a estruturação do mundo físico(...)

Desejo

Aristófanes é um escritor de comédias e de sátiras políticas, um poeta cômico. Aristófanes, através de um mito, discursa sobre o amor: no início havia três gêneros, um masculino, um feminino e um terceiro gênero andrógeno. Cada indivíduo, no início, era uma espécie de duplo, ou seja, tinha o dobro das coisas que nós temos: tamanho, órgãos, membros, etc. Diz Platão: “o homem de então tomava a direção que lhe bem parecia; (...) movimentava-se muito depressa, riscando-se círculos no ar (...). Eram por conseguinte de uma força e um vigor terríveis e uma grande presunção eles tinham”. E, segundo Aristófanes, esses seres, dessa forma unidos, juntavam tamanha força e presunção que tentaram, unidos entre eles, fazer uma escalada aos céus. Depois de muito refletir, Zeus, que era o maior dos deuses, decidiu tomar a seguinte deliberação: cortar cada um deles em duas partes, assim, obteria uma dupla vantagem: os homens, sendo mais numerosos, seriam ao mesmo tempo mais úteis e, por terem sofrido u

Desejo

Para pensarmos o desejo relacionado a objeto, faz-se necessário uma breve consideração sobre o que se passa na cena de O Banquete. Ao visitarmos esse texto, damo-nos conta de que ele foi produzido há 2500 anos. Entretanto, falar sobre O Banquete é abordar uma situação ou um problema de hoje. Não estamos nos referindo a uma história ou a uma investigação arqueológica: O Banquete de Platão nos fala de uma questão atual ou, pelo menos, podemos dizer que há algo de atual nesse diálogo. O que se passa na cena de O Banquete é o seguinte: há um jantar comemorativo na casa de um poeta (Agátão) que acaba de ganhar um prêmio num concurso de tragédia. Nesse jantar comemorativo, decidem, ali mesmo, instituir um novo concurso, Não é mais um concurso de tragédias, mas um concurso de oratória, cujo tema central deveria ser o amor; cada um deveria discorrer sobre ele, e o mais belo discurso seria o vencedor. Os discursos são em número de sete, mas vamos refletir apenas sobre dois dos sete. São os mai

Desejo

O conceito de desejo tem uma longa e importante tradição histórica no Ocidente e está dividida em duas versões principais. A primeira estaria ligada ao modelo platônico e que, mesmo na atual leitura psicanalítica, não perdeu a sua tendência de se reportar à insuficiência da falta. E, para rediscutir a teoria do desejo, não poderíamos deixar de fora a versão que vem sendo tecida por Deleuze/ Guattari, que se encontra desde Espinosa, e que, em nossos dias, é o tema do Anti-Édipo. Essa importância é, sobretudo, ética, porque a imagem de desejo, dependendo em qual se assume, contém implícita ou explicitamente, valores que tendem a conduzir a existência de um modo criativo e afirmativo ou de uma forma moral e sedentária. O Anti-Édipo apresenta o conceito de desejo no entrelaçamento com a própria produção da realidade e é por isso que só pode ser entendido a partir dessa exterioridade que se faz presente nos acontecimentos da sociedade. Rever essas concepções do desejo implica também em red

Maquinismo

Na política há o uso indevido de uma cosmogenia. O desejo de dominação funciona na base da perpetuação do modelo imitando o organismo; mas trata-se de uma organização de maquinismo sombrio. Nesse sentido, um sistema não orgânico pode se perpetuar por longos períodos, engendrando sobre si acoplamentos de subsistência. A diferença que mantém com o orgânico é a ilegitimidade da organização que não consegue, ao mesmo tempo, a busca da homeostase que pertence aos organismo (Branco - no café).

Maquinismo

Não há como tornar o mecanismo da máquina técnica em maquinismo orgânico - o primeiro depende de organizações transcendentes; o segundo é imanente a suas infinitas conexões internas (Branco - no café).

O fogo I

Lembro das queimadas, olhando da janela de meu quarto, na pequena Belém de Maria. A cidade de poucos habitantes, tinha um prefeito para governar sobre pequenos agricultores de uma agricultura familiar de subsistência.  Um vale minúsculo, com um riacho no meio, sinuoso entre montes - era o rio panelas. A razão das queimadas, que se espalhavam nos montes na velocidade dos ventos, era a palha seca da cana de açúcar.  Talvez, o único motivo da existência de um prefeito governando um arremedo de cidade. Coisa vista por mim na infância no clássico, O Pequeno Príncipe.  - Havia lá, um rei solitário, em seu minúsculo planeta que mesmo sem súdito, permanecia rei sobre o vazio da ausência de gente para justificar a sua soberania. Seu momento de glória é marcado com a chegada inesperada do Pequeno Príncipe, seu único súdito por um breve tempo, no planeta de um único morador, o rei -  Em Belém de Maria, a cana de açúcar, monocultura que remete à colônia, justificava a existência de um

Moralismo

Dizer, "falso moralismo" é antitético. Existe "verdadeiro moralismo?" Deve-se concluir que o "verdadeiro moralismo" se funda em base "falsa". Ou seja, o verdadeiro moralismo é verdadeiramente falso. A linguagem tem como regra geral, a imprecisão. No caso do moralismo, pode-se ter uma aproximação da linguagem pelo seu oposto. O significante - de onde parte o discurso moralismo - é imoral. O que justifique a exterioridade moralista, por isso, os moralistas são na maioria, paranoicos. Eles precisam repetir palavras de ordens, arregimentar seguidores, doutriná-los eliminando as possíveis contradições externas. Existe um monstro assustadoramente imoral vindo à superfície da pele de todo moralista.

Botânica

As árvores são guardiães de nossas vidas. Não que seja esse seu propósito. Elas mesmas nem propósito têm.  Nós tomamos as sombras das árvores como se donos fôssemos.  Igualmente tomamos os seus frutos, o seu frescor, seu verdejar.  Tomamos as árvores como madeira. Elas, inocentes, seguram os ventos, colhem as chuvas, conservam a umidade, equilibram o oxigênio que respiramos. Pintamos as árvores, mas é o nome dos pintores que se eternizam, são eles que se projetam como artistas. Elas ficam como meios, silentes, expostas, vulneráveis. Os pássaros moram nas árvores, se aninham em longas discussões ao ocaso do sol.  Tantas vidas se encontram em árvores, umas se multiplicam: formigas, cupins, tantos insetos. Outras, vêm para uma estação, cantam, procriam e se vão sem despedida. Delas se fez poemas, músicas, filmes. Seus troncos servem de tábuas de mensagens, de amores, ódios, paixões frias, corações apaixonados... Por que cortamos esses indivíduos de longas

O Ser

.. . é insustentavelmente leve ... demasiadamente fluído ... absolutamente intangível ... radicalmente absurdo ... fluído ... eterno ... intensivo ... real ...incolor ...inodoro ... radicalmente demolidor ...condição a priore de todas as condições ...do sonoro ...do óptico ...in-cognoscível ... por isso, impensável O ser de todos os entes, de todas as coisas, do pensado e do impensável. Sem sujeito, sem objeto, sem destino, sem sentido e sem propósito. Sem começo e sem fim. O pré-judicativo de todas as formas, disso, daquilo "e"..."e"... "e"... "e"... "e..." 

Códigos

Alguns chamam de,  processo de subjetividade geral; outros, preferem dizer de uma codificação. Não importa se dá no mesmo, dizer através de "palavras de ordens", todo o sentido que cobre gestos, sensações, linguagem e percepções.  É a mesma rede que apanha todos os peixes, marca cada um e junta tudo no sistema grade.  Platão pensou primeiro, depois todo mundo disse ao seu modo, variando em extensão - simulacros e simulações - para mais ou para menos, mas ninguém pôde inovar desde então.  Temos esse modo de capturar o "bicho" para fazer dele homem. Interiorizar em forma de chips uma quantidade significativa de códigos que leve todo indivíduo ao mesmo labirinto.  Depois de interiorizar uma "consciência", todo indivíduo estará no mesmo labirinto, andando em círculos sem saber. Toda glória e quedas sucessivas, dentro do labirinto, são como "narrativas" escritas/modificadas de acordo com a vontade - não de um deus - mas, de acordo com

Códigos

Um código é implantado no mais fundo possível, um lugar onde ninguém possa procurá-lo, nem mesmo possa cogitá-lo.  O sistema de códigos inclui possibilidades de fragmentar-se em seguimentos de duplicidades binárias: isso ou aquilo, mais isso ou aquilo outra vez.  Tudo inteligentemente pensado para dar a impressão de liberdade do pensamento; pode-se chamar de dupla personalidade para manter o núcleo que engana a si mesmo.  Não há como escapar do sistema binário do código. Como na aldeia de Westeworld onde luta-se para escapar, têm-se a crença de que se escapa, mas trata-se apenas de estar numa outra paisagem da aldeia.  Tudo que se observa ou sente, faz parte do código.  Não se pode saber da tramoia porque a desconfiança, é também, o código pensado.  Não existe a possibilidade de descobrir quem se é de fato.  Existe a possibilidade de desconfiar em forma de sensações de um Eu que pensa, mas não se pode chegar a "esse Eu" já que é nele que o sis

Amor

Equivocados ou não, entramos no mundo com esse Je t'aime de papai-mamãe, que nos soa estranho ainda no berço ou nos braços do nosso único grande amor.  Sendo esse, "eu te amo", impossível de se perpetuar na vida adulta, fica a sensação em perspectiva futura, de um dia reencontrarmos esse pleno amor outrora perdido.  A ficção do amor perdido, que tanto inspira musicais, filmes, literaturas ou níveis menos elevados de produção, recria também a imagem de um amor sempre porvir, carregado de desilusões - daí, ser possível terminar, quase sempre, em tragédia, toda história de amor -  Não é que o amor esteja perdido, mas que ele, o amor, não é possível de se encontrar no nível em que se teve na infância ou da ficção de nossas expectativas num outro que nos ame. Assim como tudo na vida, o amor, só pode ser vivido em sua forma real, acompanhado de dores e risos, chegadas e partidas, começos, recomeços e términos.

NORMAL e PATOLÓGICO:

NORMAL e PATOLÓGICO: Nesse sentido, devemos optar por modos de subjetivação e de singularização. Ou seja, inventar modos de vida e de viver sempre novos.  Nos reinventarmos como os nômades que se deslocam, dizendo com isso que, se existe uma coisa próxima de normalidade, essa coisa seria o nomadismo.  Deslocamentos contínuos, fugas incessantes, abrir novos caminhos, inventar bifurcações e fazer linhas de fuga sempre novas. E de que lado ficaria a patologia ou a anormalidade?  De certa forma, na impossibilidade de fugir, e dessa parada das linhas de fuga, estagnar os processos de criação de modos de vida (Branco - em férias).

Mulher

A história da mulher, de Atenas até nossos dias (com exceções), é a história de um encerramento adstrito por leis, fiscalizada por magistrados, condenada a permanecer menor; quase sempre dependente de um poder tutorado: pai, marido, herdeiro do marido, do Estado etc... o que explica os fundamentos da mulher ainda ser determinado pelo homem (Branco - no café c/ Simone de Beauvoir).

Linguagem

Nesses dias - líquidos - passamos velozmente da pós verdade à anti-linguagem; da racionalidade à irracionalidade.  E toda essa articulação para fazer a massa acreditar que suborno e propina é filantropia. E para fazer acreditar que a antipolítica seria estar nos passos de Maquiavel.  Terão que lê-lo (se já leram) muitas vezes, para entender de forma inversa.  Pois a verdade nua e crua, pode ser disfarçada em forma de uma racionalidade, por algum tempo, até o seu inexorável encontro com o Real irredutível.  Tentarão redizer tudo de outra forma, até o ponto em que as contradições não suportem outra linguagem além da exposição fria do verdadeiro e do falso (Branco - no café).

Ideologia

As contradições (nua e crua) do sistema que - a classe burguesa - deseja implantar em suas reformas trabalhistas, aparecem rápido quando a farsa política começa a ser desvelada.  Se empresários ficam milionários nesse neoliberalismo, ainda que cumprindo com obrigações trabalhistas que querem abolir, podemos imaginar o quão rápido não multiplicarão suas riquezas caso as reformas sejam aprovadas (Branco - no café).

Ideologia

A "arte" burguesa de convencimento vai do cinismo à ironia, ou seja, faz o "escravo" acreditar ser livre por poder optar por um trabalho flexibilizado. O miserável trabalhador não só aprende docilmente a trabalhar para o burguês em suas máquinas técnicas, quanto o faz servilmente, em suas máquinas abstratas(Branco - no café).

Símbolos

Sem os símbolos - que criamos para que a vida seja suportável - o amor, o sexo, o apaixonamento, a poesia, os filmes românticos e todo o resto, seriam banidos de nossa existência. Não haveria o gemido de um orgasmo, essa expressão dialógica do prazer do encontro de dois corpos... o beijo nos lábios molhados causaria repulsa nos dois amantes antes mesmo de se perceberem (Branco - no café).

Símbolos

Imaginem acordar sem símbolos, sem a capacidade de representar o mundo na ordem simbólica... ver a carne de um corpo, outrora desejado, como pura realidade de uma carne sem pele... carne dilacerada sem os contornos da sensualidade... uma vagina, um pênis ou uma boca, sem o simbólico imaginário (qualquer coisa) pode ser frio como um buraco negro.... depois de imaginar esse puro REAL voltem-se para o admirável mundo das imagens que construímos (Branco - no café).

Razão

Razão ou racionalidade não é mais o que se teorizou na filosofia; hoje é a irracionalidade que se travestiu de racionalidade. Daí, dominação, exploração e manutenção da ordem social e seu status de hierarquização está na ordem do racional - para parecer normal, a abundância e a miséria se perpetuam, sob a lógica ilógica da razão. Como questionar a racionalidade do sistema jurídico? O Estado é o guardião do mundo em que nos encontramos (Branco - no café).

Delírios

Ontem ou hoje, não importa, a questão politica e a religiosa, trata-se-á da forma como "cremos em nossas crenças".  Pensando Kierkegaard que diz, "não podemos estar certo daquilo em que cremos", só podemos crer que cremos em alguma coisa.  Quem prega e segue, essa coisa neoliberal, precisa crer que está crendo para seguir em frente na farsa que pregam (Branco - no café da esquina ).

Delírios

As doenças psicológicas do indivíduo se redimensionam na sociedade. Sendo elas - as neuroses - um fenômeno de massa, é muito provável que os grupos sociais se alternem entre os delírios paranoicos de seus governantes e os seus - igualmente miseráveis - particulares.  Nesse momento no Brasil, um presidente delira e faz os seus seguidores delirarem em seguida (Branco - no café da esquin a).

Escola

“Os conceitos”, “são exatamente como sons,  como cores, como imagens, os conceitos são intensidades. São intensidades,  que passam ou não passam”.  Não se trata também “de fazer parte de uma  escola filosófica ou de se criar uma escola”. Não se trata de criar uma escola  deleuzeana.  Uma escola é confortável, é alguma coisa que nos acolhe e nos  salvaguarda dos perigos das experimentações perigosas.  É um lar seguro de  onde se parte das mesmas teorias, dos mesmos princípios, da mesma prática  clínica.  Não ter escola implica uma certa solidão, não uma solidão solitária,  mas uma solidão povoada de encontros, encontros com o devir que irrompe,  ou com as núpcias.  Que se construa essa solidão exilada de escolas, exiladas  de idéias pré-concebidas, de fundamentos inamovíveis, de modelos estratificados. Como fazer uma escola na solidão?

Devir

O devir filósofo não tem nada a ver com a história da filosofia, devir é  justamente não imitar, não partir de um modelo pronto, como pretende a  informática quando se apropria do conceito de rizoma. É não partir de posições  e pressupostos teóricos pré-estabelecidos, máquinas binárias (questão–  resposta, feminino–masculino, homem–animal). “Há sempre uma máquina  binária que preside a distribuição dos papéis e que faz com que todas as  respostas devam passar por questões pré-formadas”.  Tem de se passar pelo  sujeito do enunciado, do lugar de onde se está falando, de qual raiz ou ramo:  “assim se constitui uma tal trama que tudo o que não passa pela trama não  pode, materialmente, ser ouvido”.  A questão é não parte para a construção da filosofia dessas máquinas  binárias. O devir filósofo é como as núpcias entre dois reinos, para se opor à  noção de máquinas binárias.  O exemplo está nas núpcias entre as  vespas e as orquídeas: “a orquídea parece formar uma imagem de ves

Questões...

Sempre se parte de um pressuposto, de um fundamento ou de uma  escola. Não é voltar às questões do passado, num movimento arqueológico,  aprisionar-se no passado para fazer filosofia.  Não seria nem esse passo para o  passado, nem um olhar para o futuro, como previu o socialismo, nunca se  tratou de ter respostas prontas para as questões. O marxismo se pautou  sempre por um projeto para o futuro, projetos alternativos para uma sociedade  sem classes, um projeto para o mundo.  Deleuze está interessado mais em  processos. O pensamento cartográfico, o pensamento rizomático, entre outros,  estão sempre nos remetendo a processos. Não se trata de dar respostas aos  problemas, mas sim de abrir as questões ao campo das multiplicidades e das  criações singulares.  Deleuze propõe uma saída das formas binárias do  tratamento das questões e propõe a criação de conceitos como uma forma de  criar inquietações, deixar as questões sobre uma certa tensão.  Em vez de ir ao  passado ou d