Postagens

Mostrando postagens de dezembro, 2013

AS MÁQUINAS DE GUERRA CONTRA OS APARELHOS DE CAPTURA DO ESTADO

Entende-se por aparelhos de captura as armas do Estado, e não as máquinas de guerra, as quais são nômades. O Estado se articula com aparelhos de captura. Quando o Estado se utiliza de armas de guerra é de outra coisa que ele se utiliza. O Estado se apropria da máquina de guerra e faz uma perversão de seus princípios nômades. A máquina social da sociedade primitiva – sociedade sem Estado – é uma máquina de guerra nos termos do Platô de número 12 27 – Tratado de nomadologia : a máquina de guerra se caracteriza pelo elemento que causa fragmentação contínua do espaço social, impedindo a formação de grandes aglomerados populacionais e extensas redes de troca que acabam propiciando movimentos de centralização política. É o que mantém a lógica da multiplicidade, a possibilidade de cada comunidade diferenciar-se das demais, resistindo à sedução da unidade. É nesse sentido que Deleuze/Guattari elaboram, em consonância com o pensamento de Clastres, o conceito de “máquina de guerra”,

Conclusão - plano de imanência

Então, o que nos falta para escapar ao intolerável? Fugir dos consensos da história, das contemplações, das comunicações, dos valores ideais. Como dizem Deleuze/Guattari, falta-nos criar resistência ao presente. Como insistem Negri/Hardt: “A criação de conceitos faz apelo por si mesma a uma forma futura, invoca uma nova terra e um povo que não existe ainda”. [1] Esse povo e essa terra não se encontram nas democracias. As democracias são de uma maioria estatística, e esse povo e essa terra porvir são de um devir-minoritário que, constantemente, se desvia do presente, escapa no entretempo, entra em devir, traça linhas de fuga que produzem rupturas na história. A multidão da democracia é arrastada nessa nuvem intempestiva pelos devires que se agitam em seu interior: há um devir-minoritário no seio de toda maioria democrática que a arrasta rumo a uma nova terra. O porvir não é um futuro da história, mas, como percebem Deleuze/Guattari, o “intensivo ou o intempestivo – não um instante,

Plano de imanência

Em O que é a filosofia?, ao estabelecer a distinção entre a história da filosofia e a filosofia propriamente, a dupla define a filosofia como uma arte de criar conceitos. E, para criar conceito, é necessário que se remetam a um plano de imanência que vem povoá-los de intensidades. Não podemos pensar um plano de imanência; só podemos chegar a ele pela intuição. Criar conceitos, portanto, é uma tarefa muito arriscada, pois o plano de imanência é um plano pré-filosófico, mas nem por isso deixa de ser indispensável à filosofia. Ao se trabalhar a criação do conceito, já se está no plano de imanência. Nem mesmo a filosofia da transcendência escapa aos efeitos de virtualização do plano; cria-se uma representação, um universal – ainda que para além do plano –, mas retiram-se dele as atualizações virtuais que lhe povoam de intensidades. Mesmo a transcendência se encontra sobre a velocidade absoluta do plano. O pensamento é um intempestivo sob um tempo intempestivo, nem presente, nem

Máquinas de guerra II

O atributo é o útero da composição, ou seja, é onde as forças, as intensidades ou as potências se relacionam. Força, intensidade e potência se diferenciam de forma, de figura e de imagem. Nada disso sobrevive, nem forma, nem figura ou imagem; mas apenas força, potência e intensidade.  São forças supra-humanas, desejo sub-humano, afectos e devires. O plano de composição é onde pululam as intensidades do plano de imanência; é um plano informal, não tem forma, são intensidades e forças que se ligam. Ele já é atualização, ao mesmo tempo virtual e atual. Ele é virtual porque a potência necessita do ato e às vezes ele só é potência. A composição ocorre sempre no ato, mas o ato não é necessariamente figurativo ou orgânico; ao contrário, o ato é anterior ao órgão, à figuração ou à existência. O ato é que atualiza a potência, já forma um diagrama – [1] no pensamento de Foucault, um diagrama de poder. O diagrama a que estamos nos referindo funciona na atualização de potência, mas ainda n

MÁQUINAS DE GUERRA: PLANO DE IMANÊNCIA, PLANO DE COMPOSIÇÃO E PLANO DE ORGANIZAÇÃO

Para começar uma política, é necessário escolher um plano. Deleuze/Guattari desprezam a noção de campo para trabalhar com o conceito de plano. Toda criação depende de um plano; as experimentações dependem de um plano. É o plano que determina a qualidade da experimentação. Quando se parte de um plano de organização, a experimentação e a criação já se encontram comprometidas. Carlos Castañeda deveria encontrar um lugar confortável de onde alcançasse a visão do mundo e do que estava prestes a acontecer.  Esse lugar, no caso da experimentação, é o plano de imanência ou consistência do experimentador. Se o filósofo tem no plano de imanência seu lugar de criação de conceitos, os não filósofos, de forma semelhante, dependem de um lugar-platô – o qual é diferente de um estrato, que já é o plano de organização.  O plano de imanência é como a ideia de um gradiente; o plano de consistência é quando já se conquistou a potência seletiva no plano de composição e consistência, e a organiz

Aa sínteses III

No Anti-Édipo , a noção de esquizofrenia se amplia e passa a ser pensada como processo de produção, e não mais como patologia. O corpo sem órgão é pensado como limite imanente à produção desejante e, na psicanálise, como vimos, é chamado de instinto de morte. (...) Antonin Artaud descobriu-o precisamente onde ele se encontrava, sem forma nem figura. Instinto de morte é o seu nome, e a morte não existe sem modelo. Porque o desejo também deseja a morte, porque o corpo pleno da morte é o seu motor imóvel, tal como deseja a vida, porque os órgãos da vida são a working machine . [1] Por não possuir órgãos, essa superfície é incapaz de produzir, configurando-se como um fator de antiprodução. Trata-se de um fluído amorfo e indiferenciado, de uma superfície deslizante que não aceita aderências. Obscuridade, delírio, loucura, pathos . São alguns nomes que arregimentam o conceito deleuze-guattariano de “corpo sem órgãos”. Esse conceito, tão vibrátil na filosofia de Deleuze, não se co

As sínteses II

As sínteses podem ser inclusivas e exclusivas: as primeiras multiplicam, pois, enquanto conectiva, ela é a soma deste com aquele; enquanto disjuntiva, trata-se da coexistência de dois, não de sua mistura; bom exemplo é a relação entre a vespa e a orquídea, que inaugura um elemento nômade no entrerrelacional, “núpcias entre dois reinos distintos”.  Esse é o ponto de chegada do elemento nômade ou anômalo: “Nem indivíduo, nem espécie, o que é o anômalo? É um fenômeno, mas um fenômeno de borda”, [1] uma relação de aliança. Síntese conjunta de intensidades e devires com infinitos estados estacionários por onde o sujeito passa: máquina celibatária de atração e repulsão. O tipo de produção é de “produção e consumo”. Aqui o sujeito se pergunta: “Então era isso, então sou eu?” – o sujeito nômade passa por todos os devires das disjunções inclusivas, torna-se outro sexo, deus, raça, imperadores.  O “Eu”, ou a pretensa autarquia da consciência, nada mais é do que uma apropriação, até cert

OS TRÊS MODOS DE PRODUÇÃO

As três sínteses operam três tipos diferentes de produções: produção de produção (ações e paixões), produção de registro (distribuição e marcação) e produção de consumo (volúpias, angústias e dores). Dito de outra maneira, as máquinas funcionam por meio de sínteses.  As sínteses são partículas que colidem, se misturam, se afastam ou permanecem juntas, agregam-se para formar uma combinação maior, é o caso da síntese conectiva. A síntese conectiva é acumulação estatística de partículas. Ela comporta uma dobra de condensação que é a “produção de produção”: a criação de uma individualidade como se fosse do nada. Ao final da síntese conectiva, conexão de duas partes, ocorre o começo de uma nova síntese, dessa vez a “produção de registro”, ou seja: uma vez que as partículas e seu passado geológico foram registrados numa formação estável, torna-se possível haver mais percepções reguladas e mais capturas elaboradas: o depósito de sedimentações vira percepções reguladas, e mais captur

Conclusão da terceira síntese

O sujeito foge do centro, mas se encontra em qualquer lugar, pois tudo é atravessado por singularidades da “rede disjuntiva, ou de estados intensivos no tecido conjuntivo, e um sujeito transposicional por todo o círculo, passando por todos os estados”. [1] Não há identificação com pessoas, mas a identificação dos nomes da história com zonas de intensidade sobre o corpo sem órgãos; e o sujeito grita sempre “Afinal sou eu!”. [2] Ele está solto, avulso, sua máquina é celibatária, não existe somente a repulsão, nem somente a atração, mas as duas juntas, num movimento combinado, associativo. Por isso é chamada de síntese conjuntiva de intensidades e devires. A dualidade “positivo/negativo” aqui ocorre entre um polo despótico-paranoico e o signo-figura do esquizo. O uso ilegítimo dessa síntese a torna segregadora e biunívoca. Ser deste ou de outro país, ser do Primeiro, Segundo ou Terceiro Mundo. Ser militar ou civil. Homem ou mulher. Trabalhador ou desempregado, judeu ou palestino, do

Síntese conjuntiva de consumo

Em seu uso legítimo, nômade e plurívoco, “trata-se de relações de intensidade através das quais o sujeito passa para o corpo sem órgãos, e faz transformações, altos e baixos, migrações e deslocamentos (...)”, intensidades e devires animadas pela energia voluptuosa, do prazer e do gozo.  “Dir-se-ia, assim, que, nessas transformações, passagens e migrações intensas, nessa grande deriva que percorre o tempo nos dois sentidos, tudo se mistura.” É tudo de que a psicanálise não pôde dar conta. Quando o delírio se instala, não se delira sobre figuras parentais. Esta é um das teses do Anti-Édipo ; delira-se sobre países, raças, famílias, nomes familiares, nomes divinos, nomes históricos, geográficos e até mesmo pequenos acontecimentos. Não é a loucura, mas é um tipo de loucura, separam-se a paranoia e o delírio da potência paranoica e delirante.  Há dois tipos de delirantes: de certa forma, em suas relações com Deus, Schreber tem todos os sentidos de uma paranoia. Porém, em ou

Segunda síntese III

É verdade que o capitalismo não teme os fluxos decodificados, mas temos de reconhecer a operação que ocorre em nível micropolítico. A ausência de temor das sociedades capitalistas se justifica no fato de a família já estar operando indevidamente o interior das sínteses. O capitalismo descansa no trabalho bem elaborado pela edipianização. Mas ainda lhe resta um terror, ou seja, de que as máquinas funcionem continuamente em seu uso devido. O que ocorreria nesse caso: a sociedade inteira seria esquizofrênica? Provavelmente não, pois os indivíduos se encarregariam de segregar as sínteses indevidamente. Há um fascismo molecular do povo, mas primeiro o fascismo é do indivíduo. Mas voltemos à síntese disjuntiva de registro: O processo como processo de produção se prolonga em procedimento como procedimento de inscrição. Ou melhor, se chamarmos libido ao ‘trabalho’ conectivo da produção desejante, devemos dizer que uma parte desta energia se transforma em energia de inscrição disjuntiva (