A introdução da figura cristã no santuário



Jesus, São Paulo e São João são, na visão de D. H. Lawrence em Deleuze, passagens necessárias para a constituição do sistema de juízo de Deus universal. Há o momento em que “foi necessário que a dívida fosse contraída com deuses”.[1] Por ser uma dívida com os deuses (esta), torna-se eterna e impagável. Não é com o judaísmo mosaico que se institui o sistema de juízo, mas, com os objetos do santuário judaico, o apóstolo Paulo constrói a teologia do sistema de juízo de Deus.
Se Moisés é o inventor do judaísmo, São Paulo é o inventor do cristianismo e um daqueles que geraram as condições mais elementares para que o sistema de juízo alcançasse a força que tem até hoje. Ele foi o grande intérprete e formador do conceito cristão de má consciência. É ele quem interpreta a cruz – ou a morte de Jesus na cruz, o Crucificado – como um acontecimento que diz respeito ao mais íntimo de nossa existência, a ponto de, por intermédio desse acontecimento, introduzir em nós a dívida infinita.
Uma psicologia de redenção da alma oprimida. Estranha combinação fazer com que o homem se exalte sob uma fraqueza. É o nascimento da interioridade que começa a ser esculpida em nossa profundidade do indivíduo psicológico, o Eu profundo. Em verdade, é a antiga altura do ideal fora do mundo que passa para o lado de dentro. É a altura antes projetada e a agora introjetada no sujeito. O sentimento de culpabilidade é a condição para o nascimento do sujeito ressentido. Sujeito assujeitado à dor e ao castigo. Sujeito culpado. O ideal das alturas, que era um ideal objetivo fora do mundo, o cristianismo introjeta como profundidade dolorosa do sujeito, fundando-o nesse processo que interioriza o significado da dor.
Então, o nascimento do sujeito ocidental é exatamente a introjeção de uma falsa profundidade. E por que falsa profundidade? Porque é a dor da má consciência, o sentido interior da dor, a espiritualização da dor que faz com que essa profundidade cresça e que, junto com ela, o pântano cresça. O remorso é isto: você volta a força contra si próprio.



[1]  DELEUZE, G., Critique et clinique,  p. 161.

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