O Apocalipse de D. H. Lawrence V
Não se trata mais de um déspota paranoico, mas de uma nação que se
perdeu na escatologia paranoica. Morte, morte dos inimigos de
Estado-Espiritual, tal é o único objetivo. É a diferença geral que se pretende
eliminar: povo único, pensamento único. Os remanescentes são o puro sangue de
diversas nações que não se contaminaram com os prazeres do mundo. Terra Santa,
Nação Eleita, Povo eleito do Deus Único de um lado e ímpios do outro, o eixo do
bem e do mal já se encontra definido.
Desse modo, a reunião dos três estratos não traz novidade do ponto de
vista de uma política minoritária (não é o sentido de minoria da
micropolítica), o povo eleito pode ser de uma minoria remanescente, mas que não
entra em devir minoritária.
O judaísmo de Moisés, o cristianismo de São Paulo e o Apocalipse de João sofrem da mesma
paranoia. Todos desejam a mesma coisa: a formação de uma massa coletiva, ou
seja, é a alma coletiva em torno de um centro despótico. Eles demonstraram que
a formação de um povo está sempre determinada por um sistema de juízo. “João de
Patmos, o operário, o mineiro, que reivindica a alma coletiva e quer tomar tudo.”
É com João que o sistema se desloca do povo restrito para o mundo de proporções
cósmicas. Os anjos caídos também serão julgados e punidos eternamente. Não se
trataria nem mesmo de uma ética, mas de uma moral universal que não exclui nem
os anjos: “São Paulo, para arrematar, é uma espécie de aristocrata indo em
direção ao povo, uma espécie de Lênin que dará à alma coletiva uma organização,
criará ‘uma oligarquia de mártires’”.[1]
Mas foi com Moisés que tudo começou. Ele transforma um bando de
escravos em um povo-nação.[2]
A disjunção/conjunção do estrato pagão nos três estratos (judaísmo,
cristianismo do Cristo, João de Patmos) não deixa margens por onde os fluxos possam
escorrer, “disjuntar-se ou conjugar-se”. O resultado foi ainda pior. O Apocalipse
não foi um clarão no céu, e o Livro da Revelação é o livro de um
segredo sujo de outra espécie.
Segredo que esconde o desejo de demolição do mundo em detrimento de
outro mundo Ideal. Mesmo que para isso se tenha de julgar, mas o resultado do
julgamento, assim como em Kafka, já se encontra definido. A onisciência de Deus
tornou-se modelo da onisciência dos juízes, o pecado original, que condena
desde o início.
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