O santuário é a máquina territorial portátil



Para São Paulo, os sacerdotes deveriam servir “de exemplo e sombra das coisas celestiais”.[1]
Sobre a arca do concerto, encontrava-se o propiciatório com dois querubins, um à direita e o outro à esquerda, reverenciando as tábuas da lei. Uma mesa na qual se colocariam os pães da proposição, representação do pão da vida também celestial. O candelabro de sete velas, a luz do mundo. O véu de fina seda que separa o lugar santo do santíssimo, ao qual somente o sumo sacerdote poderia ter acesso. O rosto de Deus se escondia no santíssimo. “A rosticidade sofre uma profunda transformação. O Deus desvia seu rosto, que ninguém deve ver.”[2] Na parte externa do santuário, encontra-se o altar de sacrifícios.
Josefo, seguindo a interpretação talmúdica, dirá que a “divisão do Tabernáculo em três partes era figura do mundo. A do meio era como o céu no qual Deus habita, e as outras, que estavam abertas apenas para os sacrificadores, representavam o mar e a terra”.[3]
As roupas do sacerdote, ornadas de pedras preciosas, faziam com que eles ganhassem reverência e a solenidade de um juiz de Deus na Terra. Altar de incenso, óleos de santa unção, pia de bronze para a lavagem das mãos, incenso sagrado, tudo detalhadamente visto por Moisés em uma visão celeste.
A lei perfeita seria escrita nas tábuas do coração quando o povo de Israel atingisse a maioridade. Então, o homem sabe – e, se sabe, pode, diria o kantismo. O imperativo da razão, antes de ser kantiano, é teológico: “Esta é a aliança que depois daqueles dias farei com a casa de Israel”, diz o Senhor. “Porei as minhas leis no seu entendimento, e em seu coração as escreverei. Eu serei o seu Deus e eles serão o meu povo.” Cerca de 1.500 anos antes da carta de Paulo aos hebreus, Ezequiel já havia profetizado: “Porei dentro de vós o meu Espírito e farei com que andeis em meus estatutos e guardeis meus juízos e os observeis.”[4]
A partir desse princípio, da lei no coração, não é preciso esperar por muito tempo para o juízo subjetivo se instaurar com o ritual do santuário judaico. A casta sacerdotal, associada à moralidade dos costumes, interioriza no homem a vontade de Deus.
O judaísmo alcançou o Ocidente em sua forma de juízo mais assustador na pessoa de São Paulo. Ele soube traduzir em teologia todo o ritual do santuário judaico. O dia de expiação judaico se transforma com São Paulo no mais longo e tenebroso juízo: os objetos deixam o santuário, até mesmo o santuário deixa de existir. Agora é o corpo que se transforma em templo do Espírito Santo, sobrevoo da consciência espiritual sobre o corpo.



[1] Bíblia (Hebreus, 8: 5;10).  
[2]  DELEUZE, G. e GUATTARI, F., Mille Plateaux, p. 154.
[3] JOSEFO, F., op. cit., p. 291.
[4]  Bíblia (Ezequiel, 36: 27).

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Sabiá

AS MÁQUINAS DE GUERRA CONTRA OS APARELHOS DE CAPTURA DO ESTADO

Máquina burocrática