Sujeito em Deleuze/Guattari III
A unificação das singularidades numa síntese não constitui um Eu
subjetivo, mas apenas uma contração singular de multiplicidades. Isso é o que
resta do Homo tantum que, mergulhado
no mar de ondas de partículas que disputam a vida e a morte.
A vida do
indivíduo se entrega em proveito da vida singular de um Eu que não tem mais
nome, mas também, é quando ele não se confunde com nenhum outro homem.
Perguntar-se-á nesse instante, onde estará o sujeito? Não é o caso de sua
insistência, o sujeito fugiu, escapou, pegou uma linha de fuga, entrou em
devir e evadiu-se de si mesmo.
Não é a morte, mas o estado de se estar muito
próximo a ela, porque a morte é tão vizinha da vida que nos faz pensar na vida
como o lugar de todas as mortes. Ou que a dualidade vivo/morto seja apenas uma
convenção da língua
É enquanto impessoal que ela exprime, qualifica, exemplifica todo
acontecimento do qual se torna como que o paradigma, por conta, justamente,
desse desligamento impessoal, do sentido expresso. O ‘impossível eu morro’
desloca-se para um ‘ele’, e o on[1] são as denotações de uma singularidade que
valoriza toda a vida – uma vida -, pré-individual, pré-subjetiva[2].
O On é um sujeito
indefinido, é o sujeito convertido “em índice da mais alta potência de vida”[3]. Na iminência da morte o pavor de morrer é substituído pela mais
pura e serena beatitude, ela desvia a angústia e o pavor de morrer para as
potências do acontecimento e transforma o que havia de rígido no indivíduo em
planos de passagens singulares, de indefinidos, o “on”, o “ele”, o “um” tudo
que se opõem às certezas das determinações do verdadeiro e do falso.
Todo
sentido do indeterminado é trazer consigo o acontecimento que libera os limites
em que um indivíduo se encontra em seu eu. Segundo Deleuze, o eu se abre à
superfície e libera as singularidades acósmicas[4], impessoais e pré-individuais que ele aprisionava[5]. O eu fica tomado pela energia neutra
“pré-individual e impessoal, mas não qualifica um estado de uma energia que
viria juntar-se a um sem fundo, remete, ao contrário, às singularidades
liberadas do eu pelo ferimento narcísico”[6].
Nesse momento, a individualidade do eu se confunde com os fantasmas
que se produzem no momento do eu dissolvido. Assim como nas paranóias
delirantes em que o eu se confunde com as passagens fortuitas que surgem nas
cenas em que passam as transformações
gramaticais (Schreber) ou do sadismo que marcam as disjunções intensivas do
sujeito (eu) em multiplicidades de eus fantasmáticos que se misturam aos
próprios fantasmas de grupo.
Pois, mesmo a língua estruturada em significantes
entra para o lado do estado de coisas ao qual sobrevém e lança a língua no
elemento do verbo no infinitivo. “O fantasma é inseparável do verbo infinitivo
e dá testemunho assim do acontecimento puro”[7]. Deleuze chama atenção para a qualidade do verbo infinitivo que não
se reduz à sua relação gramatical (tempo, pessoa voz passiva, etc.).
Não é esse
o caso, trata-se do “infinitivo neutro para o puro acontecimento (...) questões
ontológicas que correspondem com a linguagem”[8]. O tempo que entra em jogo é Aion
que vai representar o tempo de todos os tempos e que vai engendrar todas as
vozes. Por tanto, volta-se aqui à questão crucial do pensamento de Deleuze, é o
Ser que aparece no efeito das disjunções sem fim, e que faz com que o sujeito
seja esse andarilho que passeia por n-sexos,
civilizações e todos os nomes da história.
[1] Pronome de
indeterminação do sujeito, em francês, equivale a ‘se’ ou ‘a gente’ em
português (N. do T.).
[2] SCHÉRER,
René. Homo Tantum, o impessoal: uma política. In. Gilles Deleuze: uma vida
filosófica. (Org.) Éric Alliez. São Paulo: Editora, 34, 2000, p. 23.
[3] Id.
[4] Acósmico,
que não está submetido às regras do cosmos, do mundo e do eu, pertence ainda ao
caos.
[5] DELEUZE,
G. Logique du sens. Paris: Les
Éditions de Minuit, 1969, p. 249 (Tr. Luiz Roberto Salinas Fortes, p. 220).
[6] DELEUZE,
G. Logique du sens. Paris: Les
Éditions de Minuit, 1969, p. 249 (Tr. Luiz Roberto Salinas Fortes, p. 220).
[7] DELEUZE,
G. Logique du sens. Paris: Les
Éditions de Minuit, 1969, p. 250 (Tr. Luiz Roberto Salinas Fortes, p. 221).
[8] DELEUZE,
G. Logique du sens. Paris: Les
Éditions de Minuit, 1969, p. 250 (Tr. Luiz Roberto Salinas Fortes, p. 221).
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