O Apocalipse de D. H. Lawrence: o juízo de Deus.
Basta ler Apocalipse para perceber o quanto os estratos de
diversos tempos históricos podem agenciar-se e, ao reativar antigos estratos,
criar-se outro ainda mais potente.
Curiosamente, o derradeiro livro do Novo Testamento é o livro dos olhos
do paganismo. João não tem um olho visionário próprio, pois as visões que ele tem
a partir de Patmos são emprestadas de figuras de seus antigos rivais religiosos
(pagãos).
O Apocalipse subtrai
ou une os efeitos do estrato, pagão, judeu e cristão. Tanta preocupação com os
deuses pagãos não impede que eles se infiltrem nas visões do Apocalipse:
os dragões, a besta que sai do mar e da terra, as mulheres (a prostituta e a
noiva imaculada) adornadas, são todas figuras pagãs. “Quando os profetas
precisavam de visões, eram obrigados a ter visões caldeias ou assírias. Tomavam
de empréstimo outros deuses para perceber o próprio Deus invisível.”[1]
Há uma grande semelhança entre a Jezabel que enfrenta o profeta Elias[2]
no Monte Carmelo e a grande prostituta que representa Babilônia no Apocalipse.
Deleuze vê, através de Lawrence, o efeito do espetáculo no célebre Capítulo XII
de Apocalipse: há uma
sedimentação pagã por todos os lados. “O mito pagão de um nascimento divino,
com a Mãe astral e o grande dragão vermelho, vem preencher o vazio do
nascimento de Cristo.”[3]
O Deus judeu do Antigo Testamento era visto por seus adoradores com os
olhos dos vizinhos e inimigos declarados: caldeus, assírios, babilônios,
filisteus, amorreus etc. É o caso de Ezequiel na visão das rodas: “Ezequiel tem
necessidade das rodas furadas de Anaximandro”.[4], [5]
O texto de João de Patmos descreve a
Nova Cidade, a Santa
Cidade, a Nova Jerusalém,[6]
que, com seus muros de quatro lados, representaria o próprio zodíaco. A Arca do
concerto, com sua descrição detalhada no livro de Êxodo, contém os símbolos do
zodíaco por inteiro. De maneira que é com os profetas do Antigo Concerto – segundo Deleuze –, sobretudo no Apocalipse,
que os símbolos pagãos atingem maior visibilidade.
[2] “Desafiou
os profetas de Baal no Monte Carmelo” (I Rs 18.22-45); “Ameaçado de morte,
fugiu com medo de Jezabel e desejou a morte” (I Rs 19.4);
[5] Na
visão simbólica de Ezequiel, conforme desenho mostrado, a Arca estava sobre quatro
rodas para indicar que era móvel, de modo que, quando era levantada pelas mãos
de dois homens entre os varais, um homem na extremidade adiante e outro atrás,
as rodas subiam juntamente com os querubins (Eze 1:10, 10:14, Apocalipse,
4:6-7).
[6] A interpretação da Nova Jerusalém em Apocalipse 21:10-21 é
idêntica. Representa a organização do governo de Deus na segunda vinda de
Cristo. Seu grande e alto muro é o zodíaco, as 12 portas e os 12 fundamentos às
12 horas da manhã e da noite, representando o Sinédrio, ou os governadores das 12
regiões da terra, os sete ângulos visíveis da cidade em forma de cubo de
comprimento, largura e altura iguais são os ministros das sete falanges de
anjos.
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