A primeira síntese
A primeira síntese se faz por conexão, quando objetos parciais extraem
fluxos de outros objetos, quando cortam fluxos. Essa síntese, que atua por meio
de fluxos e cortes, é também denominada de síntese conectiva de objetos
parciais. O Anti-Édipo começa com esse exemplo, o leite materno que
funciona como fluxo que a criança extrai e corta ao sugar o peito.[1]
Essa máquina é denominada por Deleuze/Guattari de “máquina
miraculante”. Por ela, “o desejo não cessa de efetuar o acoplamento de fluxos
contínuos e de objetos parciais essencialmente fragmentários e fragmentados. O
desejo faz escorrer, escorre e corta”.[2]
A máquina miraculante[3] se confunde com a própria máquina
desejante, já que seu tipo de produção é a própria produção. “O acoplamento da
síntese conectiva, objeto parcial-fluxo, tem, portanto, também outra forma:
produto-produzir. Sempre o produzir está enxertado sobre o produto, eis a razão
pela qual a produção desejante é produção de produção.”[4] A energia que promove os acoplamentos é a
libido, energia de extração. Quando os acoplamentos são transversais, não
induzidos, locais, não específicos, em suma, livres, diz-se haver uma boa conexão,
ou “esquizofrênica”; por outro lado, quando a conexão é vinculada, global e
específica, fala-se de uma má conexão, ou “capitalista”.
É “característica da síntese conectiva” (produtiva) dessas máquinas
acoplar o elemento de produção a outra esfera de antiprodução. Entre essas
máquinas desejantes e o corpo pleno sem órgãos, existe esse conflito, mas é só
aparente. As conexões, os ruídos, a produção, tudo em relação às máquinas se
torna insuportável para o silencioso corpo sem órgãos.
“Sob os órgãos, ele sente larvas e vermes repugnantes, e a ação de um
Deus que o sabota e o estrangula ao organizá-lo.”[5]
Nesse sentido, os organismos são inimigos do corpo, querem fazer dele um
organismo, mas ele é só um corpo. Nesse encontro de aparente conflito, surge a
máquina paranoica como avatar das máquinas desejantes. “Resulta de uma relação
das máquinas desejantes com o corpo sem órgãos, enquanto este não pode mais
suportá-las.”[6]
Depois do problema da síntese, a questão se resume a seu uso. A síntese
pertence ao processo primário, mas o problema de uma sociedade em relação ao
controle dos fluxos já se encontra na fase secundária, que, contando com os
meios de captura, das figuras parentais, globalizam-nas em formas de
autoridades disseminadas. A isso, os autores nomeiam “uso ilegítimo (global e
específico)”.
[3] Deleuze/Guattari
chamam de “máquina miraculante” aquela que realiza a primeira síntese de
conexão. A referência é ao Presidente Schreber, cujo corpo foi “miraculado”.
Supõe-se que, estando associado ao milagre, o conceito de máquina miraculante
tem a ver também com algo de admirável, maravilhoso. Além disso, miraculoso é
uma coisa extraordinária, regular na ordem natural, mas na qual não se conhecem
a causa nem o meio. Mas é, ainda, um acontecimento feliz, uma sorte, uma boa
ocorrência. Assim, procedem as conexões, buscando boas ligações, bons
acoplamentos, “miraculando” ligações.
[5] Idem, p.14.
[6] Idem, p. 15.
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