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Mostrando postagens de dezembro, 2017

Desejo

Já não cabe falar de desejo-falta, pois aquilo que falta acaba por ocupar um lugar de objeto. Para escapar do objeto não é suficiente silenciá-lo sob o signo da falta ou dos fantasmas: ele se presentifica no vazio da carência de ser objeto.  Essa carência em-ser nem mesmo pode se constituir em campo de imanência ao desejo, pois a falta remeteria o desejo a algo que funcionaria como um ponto de partida, uma lembrança, uma imagem ou mesmo uma lei onipresente que funda um significante. Qualquer operação dessa ordem roubaria do desejo a sua natureza livre e imanente ao corpo sem órgãos.  Este é um corpo destituído de imagem. O desejo está em estreita relação com a matéria em movimento, ao plano de imanência, então, já não é o desejo que desejava o perdido, mas o desejar em infinito, movimento em ação mergulhado sempre num campo intensivo. O processo de desejo é gozo e não carência ou demanda.  O desejo não tem nada a ver nem com a carência, nem com a lei. Então, desejar não si

Desejo

O desejo vinha sendo pensado sempre na linha de Sócrates, Platão, Schopenhauer, entre outros.  Em nossos dias, pela psicanálise, sempre atado a uma carência, sempre fechado em torno de algo faltoso.  Se a vida é uma falta em ser, sempre a partir dessa carência, o desejo é justamente essa falta.  Isso implica a permanência da relação de um sujeito e de um objeto, em que o desejo é pensado em relação ao objeto que, a partir do jogo da realidade, sempre terá que ser parcial e representativo, já que o objeto total está para sempre perdido (a criança e a mãe na relação simbiótica, o mundo e as Ideias em Platão, a imagem de Deus no judaísmo e o Éden do cristianismo).  Nessa linha de pensamento, o sujeito do desejo não passa de uma representação do absoluto, uma imagem desfigurada como aparece no cristianismo: o homem na queda do Éden perdeu a semelhança com o criador.  A condição doentia do homem passou a se conformar com aquilo que se considera normalidade. E o que é o

Desejo

O desejo sofreu esta transformação curiosa, se interiorizou. É a castração, é a falta, é a impossibilidade irreversível: “você tem que aprender a conviver com isso”, “essa é sua questão”, ou ainda, “esse é seu problema”.  Não é mais uma carência a ser suprida, mas uma carência a ser assumida. É uma concepção lamuriosa do desejo, chorosa, um mar de desgraças.  Se já não fosse suficientemente entristecedor, é preciso lembrar que a carência, a lamúria e a falta se constituem em terreno fértil para os sacerdotes.  O que vai se construindo é uma progressiva despotencialização da vida. Em outras palavras, o homem vai se afastando do que pode: ele deixa de ter fé na terra e passa a lamentar estar nela.  E o sacerdote vai viver dessa lamúria, as religiões vão até mesmo aprofundar esta lamúria.  Aprofundam-nas porque dela vivem. Dessa forma, os sacerdotes são chamados para oferecer um bálsamo que alivie as dores. Eles intensificam a dor para depois aliviarem, esse é o comér

Amor

Tanto em Aristófanes, quanto nesse diálogo de Sócrates com Agáton, o amor busca algo que ele não tem, o amor busca algo do qual carece, busca algo que está fora dele, busca algo para preenchê-lo, é a mesma história de desejar ter o futuro que não tem.  O amor, então, busca algo que seja perene, eterno e imortal. A perfeição do objeto deve compensar a imperfeição do sujeito. O que temos aqui? Uma transcendência, uma teologia.  Em que sentido é transcendente? Algo que vem de fora, que vem de cima e que vai suprir a falta. Essa matriz transcendente está inteiramente intocada, ela permeia nosso discurso e nossa vivência do desejo.  A matriz permanece intocada por que ela é desencarnada, fixa e suspensa acima do mundo.  Agora já se é mais sofisticado, já não se acredita nesse objeto salvador, tal como fora em Platão. Não se crê mais neste objeto que viria nos salvar.  De uma certa forma, ficou-se até mais triste, porque se fez da resignação a esta carência uma nova reli

Amor

O amor nasceu da seguinte maneira: os deuses foram dar uma festa em homenagem ao nascimento de Afrodite.  Nessa ocasião estava presente, entre os convidados, um deus chamado Poros, que pode ser traduzido por esperteza.  E Pênia, que significa pobreza, invadiu a festa dos deuses para se aproveitar do momento em que Poros se encontrava embriagado de néctar.  Desse encontro amoroso de uma humana com um deus, nasceu um filho. O filho de Pênia com Poros se chamou Eros.  O amor é sempre pobre, no sentido em que ele é sempre um pedinte, um indigente. Isso pelo lado da mãe, mas pelo lado do pai ele é esperto, insidioso, maquinador, cheio de estratagemas e recursos.  O amor, nesse mito, é filho de um deus com uma mortal, se por um lado parece ser auto-suficiente, por outro lado, é carente de algo que não tem.  O amor tem uma função de complementação entre a Terra e o Céu, entre os homens e os deuses, entre aquilo que se separou. 

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O homem é naturalmente religioso, o homem busca naturalmente as coisas que são do Alto ou ainda, o homem tem sede de Deus. Nessa dialética, se convencionou dizer que o psiquismo é isso. Mas valeria a pena pensar que essa concepção é histórica, nasceu lá com os gregos da Grécia Clássica.  Para Platão, isso não é um problema, é um propulsor que eleva o homem a uma esfera inteligível em que ele contempla a Ideia e isso só estimula o pensar filosófico, no qual pela filosofia o pensador poderia encontrar estabilidade, inteireza, justeza, perenidade que a nossa condição de mortais nos nega. A divisão do mundo, operada por Platão, instaura uma separação no seio do ser, operando, com seu método da divisão, uma diferença de natureza entre dois planos.  De um lado, estabeleceu um plano divino constituído por Ideias, mundo ideal acima das estrelas, mundo das essências ou puras formas inteligíveis, lugar dos modelos superiores que implicam uma realidade verdadeira que existe em si e perma

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Tanto em Aristófanes, quanto nesse diálogo de Sócrates com Agáton, o amor busca algo que ele não tem, o amor busca algo do qual carece, busca algo que está fora dele, busca algo para preenchê-lo, é a mesma história de desejar ter o futuro que não tem. O amor, então, busca algo que seja perene, eterno e imortal. A perfeição do objeto deve compensar a imperfeição do sujeito.  O que temos aqui? Uma transcendência, uma teologia. Em que sentido é transcendente? Algo que vem de fora, que vem de cima e que vai suprir a falta. Essa matriz transcendente está inteiramente intocada, ela permeia nosso discurso e nossa vivência do desejo. A matriz permanece intocada por que ela é desencarnada, fixa e suspensa acima do mundo.  Agora já se é mais sofisticado, já não se acredita nesse objeto salvador, tal como fora em Platão. Não se crê mais neste objeto que viria nos salvar. De uma certa forma, ficou-se até mais triste, porque se fez da resignação a esta carência uma nova religiosidade: se o

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Sócrates introduz no diálogo um outro personagem para fazer um estratégico desvio:  Diotima que era entendida em questões de amor e, supostamente, tudo o que ele sabe sobre amor aprendeu com ela.  Diotima contou para Sócrates como nasceu o amor. O amor nasceu da seguinte maneira: os deuses foram dar uma festa em homenagem ao nascimento de Afrodite.  Nessa ocasião estava presente, entre os convidados, um deus chamado Poros, que pode ser traduzido por esperteza. E Pênia, que significa pobreza, invadiu a festa dos deuses para se aproveitar do momento em que Poros se encontrava embriagado de néctar.  Desse encontro amoroso de uma humana com um deus, nasceu um filho. O filho de Pênia com Poros se chamou Eros. O amor é sempre pobre, no sentido em que ele é sempre um pedinte, um indigente.  Isso pelo lado da mãe, mas pelo lado do pai ele é esperto, insidioso, maquinador, cheio de estratagemas e recursos.  O amor, nesse mito, é filho de um deus com uma mortal, se por u

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Para Sócrates, saber significa saber definir a essência das coisas. Quem não sabe definir as essências das coisas, fala, mas não sabe nada, não diz coisa com coisa e acaba entrando em contradição consigo mesmo. Definir uma coisa, para Sócrates, é atingir a sua essência.  Na intervenção que faz ao discurso de Agatão, ao invés de arranjar argumentos sobre o amor ou florear os méritos do amor, Sócrates quer uma definição do amor, deseja examinar a sua essência, quer a natureza do amor para depois verificar os seus efeitos. Sócrates pergunta: “o amor é amor de nada ou amor de algo?”.  E Agatão responde: é amor de algo. E Sócrates diria assim: e o amor deseja e ama quando ele tem isto que ele deseja e ama, ou quando ele não o tem? Agatão responde: quando não o tem. Sócrates montou uma armadilha para Agatão.  Com duas frases, Sócrates faz uma desarrumação no discurso de Agatão, numa suposta atitude de quem ignora, nisto consiste a sua genialidade. Se o amor é o amor de algum