A leitura lacaniana do sujeito



Lacan inicia a sua releitura de Freud sintetizando, talvez com sua fórmula mais conhecida, “o inconsciente está estruturado como numa linguagem”.[1] 

Depois da visão de Eu racional submetido às pulsões irracionais, algo oposto ao inconsciente racional, Lacan não poderia estar dizendo de um inconsciente sob a estrutura de uma linguagem no sentido da estrutura da língua mesma, Chomsky por exemplo. 

Não de uma ciência da língua comprometida com o edifício da representação clássica que incluiria o Eu pensante. A descoberta do inconsciente subverte o sujeito cartesiano, e o não menos polêmico mito do pai da horda primitiva com o qual conceitualiza a origem da lei contra o incesto. 

Entramos no mundo pelo imaginário, forma originária de organizar as forças que atravessam o aparelho psíquico. Esse imaginário constitui uma primeira realidade de um Real que será perdida no encontro coma castração. 

Não se subordina o Real Real ao imaginário. O Real impossível.[2] é na verdade o que impõe toda forma de castração, é a impossibilidade última que pode estar junto com as impossibilidades do cotidiano. A organização de uma linguagem inconsciente, uma protolinguagem, um forro que funciona como estofo de linguagem está por trás desse “me deixa falar” que pode ser uma língua ou um sintoma. 

E essa língua não pode ser submetida a uma análise sintática. Trata-se de uma gramática e de uma lógica própria da produção do inconsciente, ele fala e pensa. Mas não fala só através da “língua maior”. Nem mesmo se pode falar nesse instante do que Deleuze/Guattari vão chamar de língua menor.

 Talvez fosse necessário se referir a menor das línguas menores, a menor das menores línguas já que estamos tentando falar de uma micropolítica. Nesse caso, o inconsciente não seria apenas o lugar exclusivo de pulsões violentas que devem ser dimanada pelo Eu. 

Esse, que pensa que pensa já recebe uma dada ordem de linguagem, uma linguagem possível dado ao impossível que se lhe confronta. Uma luta primeira para organizar-se em forma de real imaginário para depois, perdida a ilusão do imaginário, se reestruturar em forma do Real simbólico. 

Nesse momento é quando o Eu pode ousar se aproximar do lugar de uma verdade de sua vontade. Pode ser risível, o sonho de que o Eu finalmente poderia conquistar o Isso. “O que me espera ‘ali’ não é uma Verdade profunda com a qual devo me identificar, mas uma verdade insuportável com a qual devo aprender a viver”[3]. É nesse sentido que o Sujeito-Eu entra em sua “noite profunda” e a razão se eclipsa.


[1]LACAN, J. “La significación del falo e “Subversión deI sujeto y diaiéctica deI deseo en el inconsciente freudiano ", in Escritos I, México, Siglo Veintiuno, 1978. "La metáfora del sujeto ", Argentina, Homo-sapiens, 1978. Seminário IX: "La identificación" Seminário XI: "Los cuatro conceptos fundamentales del psicoanálisis" Espanha, Barral, 1974.

[2] Ver a fórmula de Slavoj Zizeek em, Arriscar o impossível. Tr. de Vera Ribeiro. São Paulo Martins Fontes, 2006.
[3] ZIZEK, S. Como ler Lacan. Tr. Maria Luiza X. de A. Borges. Rio de Janeiro: Zahar, 2010, p. 9.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Sabiá

AS MÁQUINAS DE GUERRA CONTRA OS APARELHOS DE CAPTURA DO ESTADO

Máquina burocrática