Máquina burocrática
As
organizações são necessárias e úteis, até certo ponto, mas lamentáveis em muitos
outros. Organiza-se o mundo a partir da subjetividade dos indivíduos para, depois,
planificar a vida social. Uma organização religiosa, por exemplo, tem toda
lógica de funcionamento baseada em estrutura burocrática. Tem um corpo complexo,
com seus departamentos e subdepartamentos - composição burocrática que faz tudo
funcionar como se fosse coluna de um grande corpo.
Da
sede da organização religiosa às pequenas capelas espalhadas pelo mundo, é a
mesma organização burocrática que ajusta e distribui papéis.
De
Roma para o mundo, seja lá onde estiver localizada a sede das igrejas. É o “cérebro”
das disposições burocráticas para o resto do mundo. “Centro nervoso” de onde
partem os comandos para os demais “órgãos do corpo”. Um sistema doutrinário é
pensado a distância – a teologia de uma organização religiosa funciona como
máquina abstrata da religião – homens de saber traçam a rota dos rebanhos e burocratas
do “pão celeste” fazem a distribuição. A metáfora do rebanho sustenta a maior organização burocrática
do planeta – igrejas.
As
hierarquias não têm outra função além dessa, a de organizar e distribuir
papéis. E divulgar a ideologia que garante o bom funcionamento dos órgãos. É
patético pensar numa pequenina igreja de interior - nas fronteiras do mundo -
com sua dúzia de membros, tendo que resolver suas questões burocráticas baseada
na igreja sede de onde tudo começou – qualquer pensamento diferente será automaticamente
notado pelo centro e rapidamente extirpado.
Os
papéis de liderança e administração, tendo que serem distribuídos em número
igual aos membros da comunidade – no caso, não sobram liderados a quem os
cargos se destinam – todo mundo é líder ou sub-líder de alguma coisa.
O
que importa é que todos se sintam “poderosos”. E que se distribua o poder em
frações determinadas pelos papéis desempenhados.
No
caso da pequenina igreja, a comissão de disciplina e punição, será formada
pelos próprios, a quem os atos punitivos deverão se destinar.
Mesmo
assim, em meio à irracionalidade do processo, os indivíduos disputam os cargos,
uns mais do que outros. Trata-se de uma
parcela de poder frente aos órgãos regionais de representação.
Todos
lutam para “servir a Deus”. O esquema abstrato da máquina é o saber que
legitima a “luta pela servidão pensando estarem lutando pela liberdade”. É o
mesmo esquema que leva os milhares a se submetam a um.
A
organização burocrática se instala onde houver um “sistema de verdade” a ser
defendido. Sempre que houver “verdades”, haverá também, normas coercitivas a
serem aplicadas aos transgressores.
Nesse
caso, uma organização burocrática deve se instalar para organizar funções e
distribuir papéis determinados, seja nas grandes organizações ou nas de pequeno porte.
Estamos acostumados a pensar a organização burocrática
a partir dos órgãos públicos – órgãos e funcionários do governo imbuídos de
regras, enredado em formalidades e preocupado com a rotina –. Porém, a máquina burocrática
está presente nos diversos níveis de funcionamento de um órgão central que se
espalha em níveis menos elevados dos órgãos da hierarquia – são sempre órgãos de
uma organização maior - órgãos de órgãos - até ao nível mais elevado da
organização.
Cada
órgão está ligado e comprometido com outro na cadeia organizacional. O objetivo
final da organização de qualquer “edifício burocrático” é o de fazer funcionar
a máquina.
Mas qual seria o objetivo do funcionamento da
máquina burocrática? Quando está em jogo um “sistema de verdades”, o objetivo
da máquina é o de não permitir que tais verdades sejam ameaçadas.
O
que poderia ameaçar o “sistema do verdadeiro?” Um fluxo discordante ou um fluxo
livre, que poria em discórdia todo o sistema.
Os
órgãos que compõem a organização burocrática estabelecem rotinas, sacrificam a
criatividade em detrimento das normas e do sacrifício das experimentações
inovadoras. Tudo em nome de um segredo, ou muitos – “a verdade ou as muitas
verdades”.
As
normas formais de uma organização se estendem do nível mínimo – produção de
subjetividade – ao nível macro no exterior da cultura e da sociedade - modos de
pensar e agir no do interior das organizações que se desdobram na vida dos
indivíduos fora delas.
Nesse
sentido que Félix Guattari aplica as noções de molar e molecular. As
formações moleculares operam a subjetividade – modos de pensar e sentir. E, ao nível
das grandes estruturas sociais, são produções molares.
São
os órgãos e suas organizações – da família à igreja indo ao todo social. Mas é em
um indivíduo pequeno que tudo começa, em casa, na creche e no jardim de infância.
A
máquina burocrática começa na interioridade das mentes, para depois, sustentar
o edifício inteiro das organizações burocráticas. Não existe nada mais contagioso
do que uma ideia que penetra os escombros da consciência.
Depois de tornar-se inconsciente, as sementes
inseridas na mente, fazem com que tudo pareça normal – é o senso comum que se
transforma em bom senso.
Um
estranho acordo entre os indivíduos e as formas de submissão. O déspota se
perpetua no poder pelas mesmas razões que fazem do povo submisso às formas de
religiosidade espúrias - sendo todos governados por tiranos e corruptos que se
beneficiam da submissão.
Implantar
sistemas na cabeça é eficaz, ao ponto de fazerem os deuses tremerem. Talvez por
isso, terem dito, “é mais fácil escravizar um povo livre do que libertar um
povo escravo”.
Uma
vez lançadas as bases da submissão, uma vez interiorizados os germes da
escravidão mental, pouco pode ser feito. Ainda que provem tudo sobre a corrupção
dos líderes – seja de um sistema de poder religioso ou num governo despótico –
o povo sairá por uma axiomática tangente para continuar na submissão.
A
autoridade e o poder se fundem na organização burocrática, na verdade, a
máquina burocrática é a extensão do poder, que se materializa na autoridade da
organização burocrática.
Em
nossa linha de pensamento, a autoridade e o poder começam em casa - depois
cobrem toda a extensão do Mapa Mundi
na forma de organização dos órgãos na estrutura burocrática.
Excelente texto! Devo entretanto manifestar minha estima ao pobre Max Weber que almejava a impessoalidade dos atos, dos órgãos e dos cargos públicos rsrs Fato é, que o mais nobre instrumento pode ser usado para as mais aviltantes finalidades... é o caso da burocracia, do poder e até do conhecimento da palavra de Deus... tudo o que pode ser "remédio" também pode ser "veneno"... No meio religioso, deveras, torna-se curioso o quanto conseguem distanciar a tal ponto de perder-se completamente o sentido de sua existência.
ResponderExcluirQuanto ao uso nocivo da burocracia no dia a dia, um fato curioso em vários órgãos públicos ou mistos, ela destina-se a criar dificuldades para que os mesmos vendam facilidades!!! Dai deduzir-se que os vícios da burocracia, além de outros males, corrompe!
Max Weber, assim como, Santos Dumont pensavam no bom uso das coisas, mas sabendo que, na mão do homem, essas coisas ganham outros sentidos para seus interesses de poder e domínio.
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