O combate III


Constantino I se tornou cristão para ter a potência do cristianismo a seu favor. Paulo ainda sonha com o combate contra as forças diabólicas, assim como o Apocalipse é um confronto entre o bem e o mal travado no cosmos. Mas, em Constantino, tem início uma guerra santa que será levada a seu ponto máximo nas Cruzadas. “Mesmo sob sua forma mais suave, a de Buda ou de Cristo, enquanto pessoa (independentemente do que faz São Paulo dessa figura)”,[1] até mesmo São Paulo luta contra “o espinho na carne”,[2] o que para ele é o “bom combate”, pois tem mais de renúncia ao combate. É “um nada de vontade que nos é proposto, uma divinização do sonho, um culto à morte (...)”.[3]
Para pôr fim ao juízo de Deus, não se tratará de um combate contra forças espirituais, nem de uma guerra. Nos dois casos, se faz presente uma vontade de se apoderar da potência para ter poder, poder de julgar e poder de governar. A santa cidade descia do céu como uma noiva adornada para seu esposo, diz João no Apocalipse.
Reino dos céus que inaugura o império dos santos sobre a face da Terra, anteriormente devastada sob o juízo de fogo, sobre os ímpios que não aceitaram a mensagem de amor e do cordeiro de Deus. É toda uma vontade de ter poder. O combate ao juízo “não é de modo algum a guerra. A guerra é somente o combate contra uma vontade de destruição, um juízo de Deus que converte a destruição em algo justo”,[4] por isso toda guerra de expansão ou reação religiosa é uma “guerra santa”.
O combate do nomadismo trata apenas de vitalidade “não orgânica que completa a força com a força e enriquece aquilo de que se apossa”.[5] Curiosamente, Cristo, Nietzsche e Deleuze tomaram a criança como personagens conceituais do combate, cada um a seu modo, é claro.
Para Deleuze, “o bebê apresenta essa vitalidade, querer-viver obstinado, teimoso, indomável, diferente de qualquer vida orgânica”.[6] Com a criança que Cristo tomou em meio à pequena multidão (a criança que deve herdar o reino), já coexiste um conjunto de organismos devidamente hierarquizado, mas não com o bebê (de Deleuze), “que encontra em sua pequenez a energia suficiente para arrebentar os paralelepípedos (os bebê-tartaruga de Lawrence)”.[7]
O adulto luta em vão para colocar o bebê no centro, no bom lugar do adulto, organizado como se encontra, mas a relação do bebê é acentrada, impessoal e vital. “Não há dúvida de que no bebê a vontade de potência se manifesta de maneira infinitamente mais precisa do que no homem de guerra.”[8]
O bebê vive no combate, sua trincheira é a “sede irredutível de forças” em ação, eles nunca desistem.
O devir criança é a entrada nessas forças, ou dessas forças em identidade de adultos.



[1] Idem, ibidem.
[2] São Paulo diz diante da morte em Roma: “Combati o bom combate, guardei a fé, desde já a coroa da vida me está guardada”. São Paulo faz uma descrição desesperada de sua vida, de sua luta corporal contra os desejos da carne. “A lei que há em mim me diz o que é certo, mas eu só faço o que me aborrece. Miserável homem que eu sou. Quem me livrará desse corpo que me leva para a morte?” (Romanos, 7).
[3] DELEUZE, G., Critique et clinique,  p. 167.
[4] Idem, p. 167.
[5] Idem, ibidem.
[6] Idem, ibidem..
[7] Idem, ibidem.
[8] Idem, ibidem.  

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