Os devires na literatura II
A segmentação começava em casa, com a produção de subjetividade
edipiana: “Habitar, circular, trabalhar, brincar: o vivido é segmentado
espacial e socialmente. A casa é segmentada conforme a destinação de seus
cômodos; as ruas, conforme a ordem da cidade; a fábrica, conforme a natureza
dos trabalhos e das operações.”[1]
Foucault “já havia percebido que a sociedade fragmenta os processos de
subjetivação em espaços parciais: do espaço em família ao espaço do exército”.
Diz ele, de outra maneira, que você não está mais naquele espaço, está neste: “Você
já não está mais na escola... Os diferentes segmentos remetem a diferentes
indivíduos ou grupos, ora é o mesmo indivíduo ou o mesmo grupo que passa de um
segmento a outro.”[2]
As portas da casa, assim como, as portas da justiça e da igreja se
confundem propositalmente em Kafka, todas elas vão dar no mesmo lugar.
Deleuze/Guattari dizem de outra maneira:
O sistema político moderno é um todo
global, unificado e unificante, mas porque implica um conjunto de subsistemas
justapostos, imbricados, ordenados, de modo que a análise das decisões revela
toda espécie de compartimentações e de processos parciais...[3]
Toda ordem de fragmentação esconde um segredo sujo que visa ao
enfraquecimento: na igreja, valem-se das fases de desenvolvimento psicológico,
uma fantástica máquina de catequese. Departamento infantil, departamento
juvenil, de adolescência, juventude, maturidade, seguindo ao infinito até o
pós-morte. Depois de tudo, o Juízo de Deus nos aguarda.
A escola está toda fundada em uma taxinomia que se enraíza na árvore do
conhecimento. Os tribunais, com suas instâncias e entrâncias, seus
departamentos e subdepartamentos. Não é diferente nas fábricas e nas repartições.
Uma máquina paranoica de apossamento do mundo, do eu, do isso e da libido. Uma
obra monumental, a mais extravagante e de maior sucesso, a interiorização da
lei que faz do homem um culpado de dívidas infinitas.
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