Molar e molecular III


A realidade é, no entanto, outra, não existe tal diferença entre “produção”, “distribuição” e “consumo”, já que a própria “produção” é, ao mesmo tempo, “registro” (distribuição) e “consumo”, não há esferas separadas, mas sim diversos níveis de um mesmo processo produtivo: “De sorte que tudo é produção: produções de produções, de ações e de paixões: produções de registros, de distribuições e de anotações; produções de consumos, de voluptuosidades e de dores”[1]. Homem e natureza se acoplam numa dobra que permite ao corpo receber sensações puras da natureza. 
O paradoxo dos cones que funciona como misturador. Uma máquina fonte acoplada a uma máquina órgão sem metáfora. Um lugar no cérebro ou no corpo inteiro, já que o cérebro está em cada milimetro da pele. Um lugar esquizofrênico no homem, seja no sistema subcortical, seja no inconsciente que se liga a essa parte do organismo. 
O universo entra no indivíduo por uma porta aberta ao infinito fazendo do desejo um fluxo que transborda por completo o campo das pulsões e os objetos eróticos humanos, projetando sobre a totalidade do que se refere à ideia do processo primário de Freud enquanto desejo não ligado, carente de objeto fixo. 
Essa hipótese pode ser condensada seguinte figura: processo de produção-máquinas desejantes-esquizofrenia-ontologia-psiquiatria materialista. O Homo natura, não é o homem que sai de sua vida de compromissos e vai para a montanha, mas o homem das máquinas desejantes, “realidade essencial do homem e da natureza”.[2] 
Para os autores este é o primeiro sentido do termo processo, ao que se somarão outros dois: 1) Conduzir o “registro” e o “consumo” ao plano da “produção”, fazer destes domínios três esferas de um único processo: 2). Aplicar este procedimento à dicotomia “homem-natureza”, desconstruindo assim as barreiras que tradicionalmente separaram um da outra. Pois não são duas realidades colocadas frente a frente, a “essência humana” da natureza e a “essência natural” do homem remetem à mesma idéia de “Natureza” como “processo de produção”.
 Neste sentido, havemos de abandonar as categorias ideais, o império da representação - sujeito-objeto, causa-efeito, interior-exterior, alma-corpo, eu-não-eu - e introduzir ambos os elementos, “produtor e produto”, no seio de um único ciclo que se identifica com o princípio imanente do desejo e com a efetividade do processo produtivo, alcançando com isto a categoria de produção desejante, que será um dos conceitos “esquizoanalíticos” fundamentais: “Por isto, a produção desejante é a categoria efetiva de uma psiquiatria materialista que enuncia e trata o esquizo como Homo natura”.[3] O homo natura entra na história, mas ele é ao mesmo tempo molecular/molar.


[1] DELEUZE, G./GUATTARI, F. L’Anti-Oedipe, pp. 10 -11.
[2] Idem, p. 16.
[3] DELEUZE, G./GUATTARI, F. L’Anti-Oedipe, p. 11.

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