Experimentação com drogas - conclusão
Nessas viagens, só é possível garantir
terras porvir. O mundo dos sonhos se abre depois que o guerreiro aprende a
impedir o diálogo interno, “modificar nossa concepção do mundo é o ponto
nevrálgico da feitiçaria... e cessar o diálogo interno é o único meio de se conseguir
isso. O resto é só enchimento”.[1] O que se
vê nos sonhos, o que se faz com essas experiências com tais drogas, não tem a
menor importância para o xamã; tudo o que importa é “parar o diálogo interno”.
A condição de uma boa guerra é que tal
modificação – cessar o diálogo interno – não seja perturbada, para que não se
espante a chegada dos devires sensíveis. Saltar para o exterior da consciência,
ouvir “miríades de ruídos”, multiplicidades impossíveis de distinção
referenciais à consciência. “Não era coisa que envolvesse meus processos
mentais; não era uma visão, tampouco parte do ambiente, no entanto minha
consciência fora atraída por alguma coisa.”[2] Deleuze
diz do estado de alteração da percepção através das noções aludidas à percepção
e às afecções do corpo. Não são percepções porque ele não encontra na
consciência qualquer imagem similar com que os dados da natureza possam
identificar-se: são percetos, blocos de sensações não humanas da
natureza. Não são emoções, porque, igualmente, não há registro na memória
corporal anterior que se identifique com a sensação imediata – nesse sentido,
são afectos.
O que a experiência dos experimentadores
indica, em relação às drogas (mescalito, erva do diabo etc.), é que eles entram
nesse estado de afecção pura em relação ao corpo. Um corpo sem referências
fantasmáticas, sem juízos ou que o subjugue é um corpo sem órgãos, plano
intensivo de puro desejo. O corpo sem órgãos só chega através de um conjunto de
práticas; na verdade, não se chega, não se pode chegar, nunca se acaba de
chegar a ele, porque ele é um limite puro. Diz-se “que é isto – o CsO –, mas já
se está sobre ele, arrastando-se como um verme, tateando como um cego ou
correndo como um louco, viajante do deserto e nômade da estepe”.[3]
A consciência é atraída por alguma coisa que não se encontra em si mesma.
Seria esse lugar sem fronteiras, o “mundo de anarquias coroadas?”. A
consciência se encontra limpa de imagens para que as forças ativas possam ser
reagidas à consciência, e a pulsão de morte possa cumprir seu papel de
violência que obriga o pensamento a criar. Diz Castañeda: “Meus sentimentos
eram sensações corporais nítidas; não precisavam de palavras. Eu sentia que
estava correndo pelo meio de algo indefinido.”[4]
Castañeda apresenta uma metafísica etnográfica em duas realidades, dois mundos.
O tonal é alusivo ao mundo sensível. Tonal é tudo o que pensamos e que se torna
pensável. E nagual é o mundo ainda impensável.
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