Mundo Tonal – a potência mística




            Depois da despedida da imagem da mesa com seus objetos, com sua toalha e Deus como o tampo da mesa, Castañeda se afasta do mundo das representações das coisas; não é a representação clássica, mas esse mundo a que nos referimos por palavras e gestos. Sim, porque até Deus, quando se faz objeto do pensamento, cai nas malhas da representação.
Deus é sempre o pai celeste, com suas prerrogativas fechadas em emoções familiares. Deus é parte de uma santa trindade. Mas há um deus nagual, um deus tonal, e ambos estão dentro de nós, diria o índio. Mas isso não importa; a relação dentro e fora, neste caso, cairia na dualidade sujeito-objeto.
O fato que realmente importa é que, em situações específicas, o mundo nagual vem à tona. “Sua emersão, porém, é sempre inadvertida. A grande arte do tonal é reprimir qualquer manifestação do nagual.”[1] Mas é o tonal que deve ser reduzido ao mínimo possível. “O tonal parece ter uma extensão disparatada: ele é o organismo e também tudo o que é organizado e organizador; mas ele é ainda a significância, tudo o que é significante e significado.”[2]
Não se acaba com o tonal; só é possível diminuí-lo. Não é o mesmo que a “morte do eu”; diminuir o tonal é torná-lo fluído. Trata-se também de minimizar o Eu. “Um empurrão, portanto, é a técnica para reduzir o tonal”, é preciso fazer com que ele vacile. Depois que o homem é empurrado em um precipício e seu tonal é encolhido, “seu nagual, se já estiver em ação, por menor que seja o movimento, tomará conta e conseguirá feitos extraordinários.”[3]
Uma nova sensibilidade ao modo deleuziano: “suscitar acontecimentos, mesmo pequenos, que escapem ao controle, ou engendrar novos espaços-tempos, mesmo de superfície ou volume reduzidos. (...) É no nível de cada tentativa que se avalia a capacidade de resistência ou, ao contrário, a submissão a um controle. Necessita-se ao mesmo tempo de criação e povo.”[4]


[1] CASTAÑEDA, C., op. cit., p. 120.
[2] DELEUZE, G. e GUATTARI, F. Mille Plateaux, p. 200.
[3] CASTAÑEDA, C., op. cit., p. 141.
[4] DELEUZE, G. “Controle e Devir”. In: Conversações. Tradução de Peter Pál Pelbart. São Paulo: Editora 34, 1992, p. 218. Quando indagado pelo militante italiano Toni Negri: “Qual política pode prolongar na história o esplendor do acontecimento e da subjetividade?”, Deleuze respondeu com a mais heraclitiana e nietzschiana das inspirações: “Acreditar no mundo é o que mais nos falta, nós perdemos completamente o mundo, nos desapossaram dele”. E acrescenta, como um duende: “Acreditar no mundo significa principalmente suscitar acontecimentos, mesmo pequenos, que escapem ao controle, ou engendrar novos espaços-tempo, ainda que de superfície ou volume reduzidos” (PEALBART, P. P. Deleuze tirou a poeira das ideias de Bergson. Acesso em http://stoa.usp.br/prodsubjeduc/files/262/1134/Quem+eh+Deleuze.doc. 

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