Experimentação com drogas
Por que trabalhar com Carlos
Castañeda em filosofia? Como já citamos, Deleuze/Guattari abrem a filosofia a
uma exterioridade, a domínios exteriores a essa disciplina.
Com isso, mostram que o “pensamento não é exclusividade da filosofia,
mas uma propriedade de qualquer tipo de saber”.[1]
São as ressonâncias da filosofia que ecoam em muitos planos. À maneira
indígena, Carlos Castañeda é um grande pesquisador do corpo sem órgãos. Os
feiticeiros do México antigo costumavam usar três plantas alucinógenas: o peiote,
a datura e o cogumelo.[2]
Eles já conheciam as propriedades alucinógenas dessas plantas. Os xamãs usavam
essas ervas segundo a descrição etnográfica de Carlos Castañeda, “para o
prazer, para as curas, para a feitiçaria e para se atingir um estado de êxtase”.[3]
Segundo seus ensinamentos, a Datura inoxia e a Psilocybe
mexicana eram usadas “para a aquisição do poder que ele denominava ‘aliado’.
Associava o uso da Lophophora williamsii à aquisição da sabedoria, ou ao
conhecimento da maneira certa de viver”.[4]
De qualquer forma, os índios recorriam ao poder dessas ervas com o propósito de
provocar “estados de uma percepção especial num ser humano (...). Existem
certos objetos que são imbuídos de poder”.[5]
O uso dessas substâncias passou a ser criminalizado e proibido a partir da
colonização cristã, pois, muitas vezes, o efeito dessas substâncias impedia a
catequese dos índios. Desde então, não seriam permitidos experimentos sem que
se atraíssem censura e repressão. Por isso, é uma questão de política e de
polícia. “Não deixarão você experimentar em seu canto.”[6]
Nos
arquivos mexicanos do Tribunal da Inquisição, há o caso de um processo em que
um índio é acusado porque ‘comunga as pessoas e ele mesmo comunga, com uns
pequenos cogumelos, que chamam em sua língua teonanácatl, que é coisa
endiabrada, pela qual saem dos sentidos e dizem ter visões endiabradas (...) é
o corpo do demônio (...) pequenos fungos para fazerem suas velhacarias e são
por eles dedicados ao Demônio.[7]
No
mundo dito civilizado, as drogas alucinógenas já foram usadas com fins
terapêuticos em diversos momentos. Aldous Huxley foi um dos que se submeteram a
esse tipo de terapia. Em uma das sessões, esperando pela chagada do médico com
mescalina, diz ele:
Eu
estava ali e estava disposto, na verdade ansioso, a servir como cobaia. (...) O
medo era de ser dominado, de desintegrar sob uma pressão de realidade maior que
pudesse aguentar uma mente acostumada a viver a maior parte do tempo num
aconchegante mundo de símbolos.[8]
Alberto Fontana, psicanalista argentino,
experimentador prudente de drogas alucinógenas, classifica o uso de LSD
em clínica como um estado de “vivência oceânica integradora”,[9]
provocada pela ingestão de alucinógenos. Era um estado especial de êxtase
orgânico e perceptivo no qual o “Eu se liga ilimitadamente ao Id, e ambos com o
cosmos, fora de todo espaço e tempo”. Essa percepção sobre os acontecimentos
vividos pelo paciente levou Fontana a acreditar que esse modo de funcionamento
indicava que o “núcleo central da personalidade” estava exposto à luz. A
vivência sensitiva de integração do corpo individual com a subjetividade
cósmica é muito típica nas culturas indígenas e se repete inúmeras vezes em
diferentes tipos de relatos de experiências alucinógenas.
[1] MACHADO, R. Deleuze, a arte e a filosofia. Rio de
Janeiro: Zahar, 2009, p. 193.
[2] Segundo Castañeda, o peiote (Lophophora williamsii), a datura (Datura inoxia syn. D. metaloides) e o cogumelo (possívelmente, Psilocybe mexicana). Em A erva do diabo, p. 40.
[3] CASTAÑEDA, C. A erva
do diabo. Rio de Janeiro: Nova Era, 2006, p. 40.
[4] Idem, ibidem.
[5] Idem, ibidem.
[6] DELEUZE, G. e GUATTARI, F., Mille Plateaux, p. 186.
[7] SANGIRARD,
Jr. O índio e as plantas alucinógenas. Rio de Janeiro: Editora Alhambra,
1983, p. 36.
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