Introdução VI

Com eles, procuramos mostrar que o capitalismo e o desejo trabalham, até certo ponto, numa relação de semelhança. Os fluxos do desejo, livres e descodificados, ameaçam toda hierarquia de valores familiares e sociais. O capitalismo tem algo em comum com esses fluxos, a máquina axiomática capital-dinheiro, desterritorializa os territórios sociais e os da natureza, para transformar tudo em dinheiro. O movimento ondulante do capitalismo transforma tudo em lucro, não respeitando nada. A diferença em relação ao desejo é que ele não produz um produto pré-especificado, desejo é produção de produção. Daí, a questão ética do desejo. Finalmente, no capítulo cinco, para fazer sentido com o que defendemos, é preciso lembrar e tirar lições das “revoluções traídas”. Ler O Anti-Édipo, além da dose necessária de embriaguês, é preciso doses de humor. Para Furtos e Roussillon, “a loucura, o desejo e a revolução formam uma trama da sua reflexão”23. Ou, pelo menos devemos buscar a questão mais ampla desse livro. As teorias revolucionárias se ocuparam da hipótese de que o poder pertenceria a uma classe dominante que se define pelos seus interesses.24 Porém, a grande questão que se escondia por trás dessa hipótese foi revelada pelo Anti-Édipo. As massas que não partilham os mesmos interesses das chamadas classes dominantes abraçam estreitamente o poder e desejam dele uma parcela. Tanto La Boétie, Espinosa e, mais recentemente Reich, advertiram quanto a essa questão. As massas, normalmente, não são enganadas pelos seus governos, elas desejam e mendigam uma parcela do poder. Foucault, em sua introdução ao Anti-Édipo, edição americana, adverte-nos quanto ao fascismo interiorizado e presente em todos nós. 
22 DELEUZE, G. e GUATTARI, F. In: CARRILHO, Manuel M. (org.). Capitalismo e Esquizofrenia:
dossier Anti-Édipo. Trad. José Afonso Furtado. Lisboa: Assírio & Alvim, 1997, p. 58.
23 Id. “O Anti-Édipo: tentativa de exploração”, p. 30.
24 Segundo Battista Mondin, a tese marxista e seus seguidores “defendem que a existência organizada dos
indivíduos, ou seja, a sociedade, é o resultado da organização dos meios de produção e da distribuição
entre os homens; forneceu um diagnóstico agudo e claro da sociedade moderna como sociedade baseada
na produção e apropriação privada da riqueza socialmente produzida, como sociedade que divide a
comunidade dos sujeitos em classes opostas: capitalistas e trabalhadores; mostrou que a distribuição
iníqua dos meios de produção produz inevitavelmente a luta de classes e que esta, por sua vez, levará ao
fim do capitalismo e ao triunfo do socialismo. O materialismo dialético elaborado por Marx, com a
colaboração de Engels, foi retomado e desenvolvido por Lênin, Stalin e Mão; e, segundo tendências
revisicionistas, por Gramsci, Marcuse, Bloch e Garaudy”. Cf. MONDIN, Battista. Introdução à filosofia.
São Paulo: Edições Paulinas, 1980, p. 173.

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