Introdução IX

A quem se dirige esse livro? Nas palavras de Deleuze: “Felix diz que o nosso livro se dirige a pessoas que têm entre 7 e 15 anos”30, mas isso não pode ser tomado assim, em minha opinião, é claro. Deleuze se remete a uma conversa informal que teria tido com Guattari, mas que não poderia ser tomada como uma tese. O livro começa o primeiro capítulo com palavrões e isso se aproxima muito das crianças naquela idade, no entanto, certamente, não é um livro que se dirija às crianças. É o próprio Guattari quem diz que se deve “começar pelo domínio das questões teóricas”, e isso envolve a compreensão do inconsciente psicanalítico, o entendimento da repressão do Édipo dos psicanalistas e da teoria do desejo de Deleuze e Guattari. O livro se destina a quem está cansado da psicanálise e aos revolucionários que sonham que, com suas interpretações da realidade, vão realizar uma sociedade mais justa. A advertência do Anti-Édipo é para que os acontecimentos “daqueles dias” que mostraram que os homens nem sempre agem conforme os seus interesses revolucionários não sejam esquecidos e, finalmente, para os pensadores livres que desejam experimentar novas maneiras de pensar e viver. O Anti-Édipo é um livro de filosofia política, e no dizer de Foucault, “um manual de ética”. É um ensino sobre como ficar longe do desejo fascista. É preciso escolher qual dos muitos eixos críticos com os quais se irá trabalhar no Anti-Édipo. É um livro que fala de Sociologia, uma análise da sociedade capitalista que descodifica todos os códigos para ligar à máquina axiomática do capital. Aborda a História sobre uma outra perspectiva. Existe uma história universal, que não é a da necessidade e sim da contingência, que aparece em três formas de civilização, a “primitiva”, a “despótica” e a nossa, atual “capitalista”. Eles incluem personagens e conceitos da literatura para falar de psicanálise, no sentido de subvertê-la. Preferimos não enveredar pela crítica à psiquiatria que também é tema fundamental do livro. Por sua extrema complexidade, exigiria uma outra pesquisa. Por esse mesmo motivo, optamos por não incluir a crítica que se faz à psicanálise lacaniana. Portanto, quando seguimos a crítica do Anti-Édipo à psicanálise, estamos com os autores, focando a psicanálise freudiana. Escolhemos a crítica à noção do desejo-falta que inclui seu corolário: a castração que opera no inconsciente as forças de anti-produção e a crítica à representação psíquica que mantêm o inconsciente no teatro familiar. Isso inclui a crítica ao complexo de Édipo que funciona como máquina repressiva do desejo. A subversão do livro inclui a substituição da ideia do inconsciente como teatro pela ideia de inconsciente na qualidade de usina, questão de produção de inconsciente e não de representação de conteúdos dele. A psicanálise, limitada às interpretações edipianas, encontra seu limite na esquizofrenia. Para O Anti-Édipo, o delírio é histórico-mundial, não familiar: deliram-se raças, tribos, culturas, organizações, posições sociais, etc. É uma tentativa de algo novo, e o que se propõe com os "platôs" é justamente a tentativa de constituir um pensamento que se efetue através do "múltiplo" - e não a partir de uma lógica binária, dualista, do tipo "um-dois", "sujeito-objeto", que se efetue por dicotomia, tal como vemos na psicanálise, na linguística e na informática. Visage, portanto, à construção de uma teoria das multiplicidades que seja imanente, que coloque propostas concretas de pensamento, ao invés de simplesmente se limitar à crítica da psicanálise. Essas são algumas das questões do livro que pretendemos explorar.

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