Introdução III

diferença. Tal maneira de pensar implica uma crítica à psicanálise, à medida que esta limita o desejo ao território da família8. Para atingir este objetivo, traçamos o seguinte roteiro: o primeiro capítulo, trata de uma justificativa para nosso desenvolvimento. Com Félix Guattari, em O que é a filosofia?9, Deleuze apresenta a tarefa do filósofo como um trabalho de artesão, que não se identifica em nada com os contadores de história da filosofia. Criar conceitos é sempre uma forma de procriar, proliferar, infestar o pensamento daquilo que ainda não foi dito, um impensado entre as coisas pensadas. É o que Deleuze chama de roubo, mas um furto espiritual, um afeto que se desdobra em criação. A atitude filosófica é sempre criação de conceitos. Estes estão espalhados ao longo da obra de Deleuze, mas principalmente nos textos em parceria com Guattari: O Anti-Édipo10, Mil Platôs11 e O que é a Filosofia?12 Percebe-se uma interligação entre os conceitos nessas obras, como acontece com o conceito de rizoma que trabalha por conexões e não se deixa sobrecodificar. O rizoma trabalha com outros conceitos: as multiplicidades, que se definem pelo fora, linha abstrata, linha de fuga, ou desterritorialização, é a forma como elas mudam de natureza e podem se conectar a outras. “Por fora existe o plano de consistência, que é o plano de todas as multiplicidades”13, longe dos riscos de uma hierarquização ou de uma sobrecodificação. Assim acontece com o conceito de desejo que opera sempre por fluxos desterritorializados e descodificados. O desejo trabalha por agenciamentos maquínicos, esses conceitos vêm carregados de sentido para se elaborar a noção de inconsciente, tal qual se encontra em Diferença e Repetição. Esse inconsciente não depende de nada para existir, e o desejo não se remete a nenhuma lei ou instância que não seja ele mesmo 14.
8 SILVA, Cíntia Vieira da. O conceito de desejo na filosofia de Gilles Deleuze. São Paulo: UNICAMP,
2000, p. 1. (Dissertação de Mestrado).
9 Op.cit.
10 Op.cit.
11 DELEUZE, G. e GUATTARI, F. Mil Platôs: capitalismo e esquizofrenia. v. 1. Trad. Aurélio Guerra
Neto e Célia Pinto Costa. São Paulo: Ed. 34, 2004, p. 17. (Grifo meu)
12 Op.cit.
13 Op.cit. (Grifo meu)
14 A questão não é substituir o inconsciente psicológico da psicanálise por um outro, desmerecendo o
primeiro. O fato é que existe por de baixo do inconsciente descritivo, as intensidades, devires, libido em
estado puro. Para pensar a criação de modos de vida, a filosofia da diferença de Gilles Deleuze faz uso
desse inconsciente pré-individual.

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