Introdução V

Mas, as divergências não nos devem fazer perder de vista o valor dinâmico do inconsciente freudiano, que o seu autor tantas vezes sublinhou. Segundo Pardo 20, Freud logo cuidou em reterritorializar a produção primária em uma determinada codificação, ligando a libido a um objeto, e, portanto, atou o desejo a uma falta: negando desse modo, ao desejo, a sua característica de livre produção de intensidade. Para compreender o sentido dinâmico do inconsciente, os autores do Anti-Édipo consideram apropriado relacionar o uso do termo esquizofrenia ligado especificamente ao inconsciente: um inconsciente que antes de sofrer as injunções da edipianização é esquizofrênico, mas não é como o zumbi da psiquiatria. A questão não é mais interpretar o inconsciente em relação restrita ao sexual fechado no triângulo familiar, o inconsciente opera por deslizamento e agenciamento, é rizoma. Então, a relação não se fecha na sexualidade, “mas também com o animal, com o vegetal, com o mundo, com a política, com o livro, com as coisas da natureza (...) todo tipo de devires”21. Em O Anti-Édipo, são as “máquinas desejantes que rosnam” por trás do inconsciente da psicanálise. Não é o inconsciente reprimido pelo recalque que só aparece nos atos falhos e nos sonhos. Não que esse não exista, mas o fato é que, para haver criação, não basta um inconsciente que recorda. Recordar e repetir não diz em respeito ao ato de pensar que se dá sempre a partir do impensado. No quarto capítulo, relacionamos o inconsciente “máquina desejante” com as forças produtivas e sociais. Segundo a escrita do Anti-Édipo foi esse o erro das análises de maio de 68, na França: uniram Marx e Freud, mas restringindo as forças do desejo e do inconsciente às interpretações do micro espaço familiar e as forças produtivas sob a ótica econômica. A nova maneira de enxergar consiste em pensar os acontecimentos injetando o desejo na sociedade como um todo. Segundo Deleuze e Guattari, as condições daqueles dias mantinham recalcadas “as questões do sexo e da enunciação para o lado 19 Em 1923, no artigo “O ego e o id”, Freud fala de um inconsciente dinâmico que é pura força. Este é o inconsciente que interessa à nossa pesquisa. da representação, o mais afastado possível da produção”. Os autores pretendem introduzir uma nova análise do desejo, do inconsciente e da loucura.
20 PARDO, Luiz J. Deleuze, violentar el pensamiento. Paidos: Madri, 1990.
21 DELEUZE, G. e GUATTARI, F. Mil Platôs: capitalismo e esquizofrenia, v. 1. Trad. Aurélio Guerra
Neto. São Paulo: Ed. 34, 2004, p. 20.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Sabiá

AS MÁQUINAS DE GUERRA CONTRA OS APARELHOS DE CAPTURA DO ESTADO

Máquina burocrática