A máquina capitalista civilizada
As formações sociais capitalistas, por sua vez, supõem um Estado máximo
de descodificação dos fluxos de desejo, impensável ou insuportável a qualquer
outra formação social. O paradoxo fundamental de nossa sociedade, “(...) o que
era o terror para as outras sociedades: a existência e a realidade de fluxos
decodificados, e fez deles assunto seu”.[1]
Em verdade, o capitalismo joga com fluxos descodificados até um limite.
O capitalismo só teme a descodificação absoluta da esquizofrenia. Para impedir
a derrocada do controle dos fluxos, a sociedade capitalista civilizada inventou
uma máquina axiomática que faz com o capital uma abstração de funcionamento
preciso ao modo das máquinas desejantes com um sistema semelhante de
corte-fluxo.
O capitalismo, como organização social da produção desejante, define-se
por dois movimentos acertados e complementares: de um lado, a destruição
sistemática dos códigos de grupo ou territoriais, do tipo dos que definiam as
relações de aliança nas sociedades primitivas. Às catexias perversas ou
territoriais do campo social, ele impõe a quantificação exata de todos os
fluxos, a fim de estabelecer sempre quando e onde hão de emanar, em qual
quantidade e em que ponto devem ficar obstruídos ou bloqueados.
É o lucro que vai determinar os movimentos de parada ou de aceleração.
É o movimento ondulante do capital que determina a destruição do hipercodigo da
antiga civilização despótica que se impôs sobre os microcódigos perversos. Como
já dissemos, as catexias despóticas faziam com que todos os fluxos se
revertessem em forma de imposições na direção do objeto transcendente e
voltassem, a partir dele, em forma de moções milagrosas de vida e morte.[2]
Nesse sentido, a organização capitalista envolve a ruína de todas as
codificações e sobrecodificações impostas aos fluxos em nível molecular.
A descodificação e a desterritorialização operadas desse modo têm
lugar, em benefício da conversão ou da abstração, das quantidades e das qualidades
efetuadas pela mercadoria e a moeda.
[1] “Aula de
Gilles Deleuze” em Vincennes (16/11/71). Disponível em
www.webedeleuze.
[2] Os três monoteísmos
são exemplos desse tipo de manipulação: Moisés, Maomé e Cristo são os três
impostores. Eles dizem: “Eu sou o caminho”. Ou, de uma forma mais amena:
esse é o caminho, andai por ele. Moisés diz: “Então Deus pronunciou todas estas
palavras...”. Então, ele descreve os 10 mandamentos do Sinai.
Comentários
Postar um comentário