Identidade - v


Identidade – V
Para se concluir o processo identitário é preciso ir mais fundo na alma humana, criar condições mentais favoráveis ao comportamento de conformação às normas estabelecidas pela classe dominante. Félix Guattarri trabalha em Micropolítica: cartografias do desejo, com o conceito de subjetividade que é coextensivo aos modos de produção de uma identidade, seja ela identidade de raça, cor ou condição social. Fazer o indivíduo pertencer a determinado grupo social e desmobilizar as forças de resistência que impediriam a sua conformação ao grupo majoritário. É o mesmo processo que cria condições latentes de pensar como o outro que deseja a dominação ao ponto de facilitar a dominação.
De outra maneira La Boetice denunciou o “porquê de milhares se submeterem a um”, mas são modos de subjetivação semelhantes que fazem um indivíduo que nasceu livre possa aceitar pacificamente a dominação de outro. Em nosso caso, são condições psicológicas e sociais do branco que determinam a subjetividade do negro.
Não é o caso de tornar o homem negro em um homem com atitudes de branco, mas é o caso de fazer com que o negro se sinta e se comporte numa sociedade dominada por brancos, que pense a sua dominação como legítima ao ponto dele mesmo legitimar a sua própria dominação. Conforme Florestan, “ajustar o negro, psicológica, social e moralmente, às situações de convivência e de integração com o branco associadas ao padrão histórico-cultural vigente de desigualdade e de dominação raciais” (Id., p. 549).
A subjetivação faz com que a imagem do branco enquanto raça dominante do negro apareça como entidade natural de dominação. Essa semiótica de dominação será repetida a exaustão em todos os aparelhos repressores. São os mesmos aparelhos de que nos fala Foucault em relação à sociedade disciplinar e de controle: da casa à escola, da igreja à fábrica e caserna.
A repetição em modos ampliados tem a finalidade de interiorizar um sistema até transformar-se em crença do dominado à vontade do dominador.
No momento em que uma criança negra escolhe como padrão de beleza uma boneca branca, considera uma boneca negra feia e interpreta seus afetos em relação a cor das bonecas em consonância com regras morais, trata-se de um modo de subjetivação com certo grau de sucesso.
Depois de se alcançar esse grau de formação psicológica, tratar-se-á de “preservar, difundir e fortalecer formações reativas de natureza desmoralizadora – todas as formas de preconceito e de discriminação raciais se vinculam, funcionalmente, à defesa da ordem racial em que emergem socialmente” (Id., p. 549).

A finalidade dos modos de subjetivação é fazer com que o submisso aceite a sua condição de submissão até o ponto que defenda a sua submissão. Assim como os submissos de La Boetice que passam a desejar a própria submissão, o branco dominador faz com que o negro submisso passe a acreditar em sua condição como dada e legitimada em sua condição de submissão. 

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